Os Cus de Judas
(Antonio Lobo Antunes)
Seis anos após o término da guerra colonial, é lançado Os Cus de Judas, de António Lobo Antunes que conta a trajectória de um soldado português que servira o exército colonial em Angola e, a partir desse contacto com a situação em África, vê sua vida, seus valores sendo destruídos. A personagem não nomeada de Antunes é incitada por membros de sua família, tradicional portuguesa, a acreditar que o exército fabrica homens de verdade. As maiores virtudes tais como; valentia, honestidade, carácter entre outras, são atributos da farda, não do homem. "Estás magro (...) . Felizmente que a tropa há de torná-lo homem. (Os cus de Judas pág.12).Numa crescente angústia o soldado mobilizado para combater em terras de além-mar, vai sendo conduzido, como um boi para o abatedor. Imagens do navio se afastando do cais a incerteza da volta, o choro, as lágrimas, talvez a última visão da cidade vão sendo retractadas."...Lisboa principiou a afastar-se de mim num turbilhão cada vez mais atenuado de marchas marciais em cujos acordes rodopiavam os rostos trágicos e imóveis da despedida..." (idem, pág. 16).O narrador é um médico, que serviu nas forças portuguesas em Angola, na irónica missão de salvar vidas em meio às atrocidades das batalhas. Após essa experiência, sua existência malogra: decai profissionalmente, não consegue manter sua antiga estrutura familiar e refugia-se numa angústia sem saída. Em geral sob a forma de monólogo, com poucas inserções de outras vozes, o livro tem um ritmo arrastado e triste, procurando captar as palavras que melhor transmitiriam o sentimento de derrota que fere o narrador. Os períodos são longos: "Nunca as palavras me pareceram tão supérfluas como nesse tempo de cinza, desprovidas do sentido que me habituara a dar-lhes, privadas de peso, de timbre, de significado, de cor (...)" [p. 41] - diz o narrador, em um de seus incontáveis momentos de desalento. Numa interpretação sintética e sem amor a pormenores, Os cus de judas representariam a luta inglória do narrador em rememorar - sem recuperar - um mundo destruído, no qual, se "os bichos eram mais bichos", as coisas, fatos e pessoas deveriam então ser mais explicáveis em si mesmos, sem a percepção de uma realidade outra que os anulasse.A visão dos corpos estraçalhados, da miséria dos colonizados, a premência da angústia e da solidão imprimem na maneira de ser e pensar do narrador uma sensação catastrófica de perda. As imagens poderosas de Os cus de Judas revelam com um duro e lúcido sarcasmo a dor de ter sofrido a experiência da guerra promovida pelo fascismo provinciano e incompetente de Salazar. As lembranças constantes dos corpos estraçalhados e em decomposição contaminam toda a narrativa e funcionam como uma metáfora para a própria acção do colonialismo português na África.O livro é também uma denúncia do esquecimento que Portugal parece querer devotar à guerra e seus sobreviventes, como bem afirma com habitual sarcasmo o narrador no último capítulo: “Nós [os sobreviventes e mortos da África] não existimos”; o “gigantesco inacreditável absurdo da guerra” parece não interessar aos olhos do país que dorme enquanto se fala dela.
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