O externo tatuado da visão
(Luís Serguilha)
Luis Serguilha é um poeta português que nasceu em Vila Nova de Famalicão, em 1966. Foi atleta em competições esportivas e já trabalhou como professor de Educação física por doze anos. Hoje coordena uma academia de atividades físicas e de danças urbanas, além de ter colaborado durante vários anos nas jornadas de aqueologia-investigação da Cultura Castreja (uma longa tradição cultural de resistência "local" — ibérica — ao invasor) e ser um dos precursores das “Bibliotecas de Jardim”, inauguradas com a finalidade de difundir o livro e promover a leitura, facilitando seu acesso, sobretudo durante a época de verão.
O poeta, que recebeu o Prêmio de Literatura Júlio Brandão, é gentilíssimo e enviou-me dois de seus livros, os quais tenho tido um imenso prazer em ler e agora, sinto-me no dever de dividi-los para que mais amantes da poesia apreciem esse trabalho tão primoroso.
Dessa vez, apresentarei o livro “O externo tatuado da visão”, que traz como título o que se pode vivenciar ao longo das páginas. Serguilha faz um recorte do real ou uma fenda e tatua novas imagens no papel com sua agulha de fabulações muito além de algumas metáforas. Cada palavra é uma perfuração na pele do verso.
Aceitar as luzes vindimadoras do tropel como uma rosa desorientada
nas palpitações abertas do membros felizes
Um rosto marinho adere à confidência duma vertigem subtil
e a semente da penugem deslumbra-se na frescura solitária da boca
esta origem incandescente a escancarar-se na terra desfolhada
este caminho de sopros reservado à nascente asfixiada das palavras
Os insectos azuis quebram a designação inocente dos seios sobre os perfumes embrenhados nas ruínas maternas
para completarem os barcos finíssimos de resina
e nas tuas mãos novamente os fulcros
das hortênsias parecem um fluxo de sol apressando as esperanças dos
chocalhos nas areias sumptuosas da sombra
como uma construção minúscula dos lábios a
curvar-se no fulgor redobrado da claridade
e uma lâmpada respira repetidamente na perfuração perpétua
dum valado
onde os carris líquidos da constelação se erguem infiltrados na
infinita árvore
[...]
Evidente e reluzente é o que se enxerga no livro que é cor e sombra entre seis poemas sem título e longos como que em incessante transubstancialização do que é presença em lenta e insuspeitada re-presentação de riquíssimas figuras.
[...]
As línguas vespertinas montam individualmente uma plaina de esponjas sobre a celebração do teu girassol
Como um trono invisível mastreando outro fogo nocturno
O chão delira com as espirais dos nadadores decifrando as intenções
dos golpes
como um cavalo escuríssimo a trepar na cratera bloqueada de ar
escrevendo nos teus lábios as experiências das folhagens surdas
e as mandíbulas descuidadas atravessam as nascentes rápidas
ditando o idioma incompleto do húmus brandamente sulcado
Dois sorvedouros alfabeto intraduzível do cardume regressando ao
trabalho alucinado do verão
onde as gotas de maracujá dispersam os sóis debruçados
na ciência dos seios
porque são dois limbos de água na nudez hirsuta
entre o recreio das pedras escarlates
e soltam-se como uma rede inadiável nas ondas enrubescidas do arbusto
onde se fixa o suor barrento dos voos puramente concentrados
no arrebatamento
[. ..]
Em pleno ritual de celebração, segue-se em tatuagem de tinta que pinta o que se transforma em paisagem rara. Assim, Luis Serguilha costura seus versos na pele do que é visível em plano que se eleva e se releva em poesia afortunada.
Manténs a volubilidade de incessantes friestas
ao homenageares os beijos esplendidamente abandonados
como pequeníssimos ribeiros indivisíveis
dependurados nas quedas dedilhadas das amoras
E o sol persegue-se descalço sequestrando um cotovelo volátil da tua sombra
para aliviar os mecanismos dos gerânios
nas persianas incomensuráveis das ondas
e o sol naturalmente entre em ti como os holofotes dumcardume
atirados sobre os intérpretes da terra
e entra em ti levando a memória dos mapas até
aos servidores das aguarelas
que decoram o combate despenteado das húmidas escarpas
e uma serenata de línguas embala a bifurcação periclitante da tua árvore
onde os bandos desmaiam provisoriamente numa pintura uivante
Assim, o poeta português agulha seu último verso ao mesmo tempo em que um esguicho de sangue salta aos olhos em ponto de esquentar o que tempera a dança das palavras que a partir de agora se inicia.
Imperdível é a obra poética de Luis Serguilha. Tão fértil de novos significados são os versos, devassadores do convencional, obscenos das cenas que se repetem, enfim, lascivos e acertados. Aguardem a próxima resenha sobre “A singradura do capinador”.
Referência:
SERGUILHA, Luis. O externo tatuado da visão. Porto: Editora Ausência, 2002.
Resumos Relacionados
- Vinicius De Moraes, O Poeta
- Os Lusíadas
- O Livro Das Sombras Ou O Livro Dos Mais Pequenos Silêncios
- Materia De Amor
- O Sentimento Do Mundo
|
|