ENIGMAS DE UMA PROTEÍNA
(Martins et al)
O príon é uma das moléculas mais excêntricas já estudadas pela ciência. Com 209 aminoácidos, a proteína está normalmente presente na membrana de neurônios, onde desempenha funções ainda pouco conhecidas. Muito mais enigmáticas, porém, são suas formas patogênicas, causadoras de doenças animais e humanas raras e invariavelmente fatais. As mais populares são a doença da vaca louca, cujo surto no gado bovino causou enorme transtorno no Reino Unido nos anos 1980 e 1990; e sua variante humana, contraída pelo consumo da carne contaminada e que já fez quase 200 vítimas. Mas apesar do caráter infeccioso, as doenças priônicas podem ser também hereditárias, esporádicas e até iatrogênicas, e o estudo de cada uma delas está ajudando a desvendar os mistérios que cercam estas moléculas, responsáveis por dois prêmios Nobel. Os príons abriram um novo capítulo da biologia molecular e estão influenciando profundamente a compreensão das doenças neurodegenerativas, O termo príon (do inglês, proteinaceous infectious particle) foi criado pelo neurologista americano Stanley Prusiner, da Universidade da Califórnia, em São Francisco, para designar o agente causador de um grupo de patologias conhecidas como encefalopatias espongiformes transmissíveis. Espongiformes porque deixam o cérebro com aspecto esponjoso, e transmissíveis porque uma amostra de tecido doente, inoculada em tecido sadio, sempre propaga a infecção.O período de incubação dessas doenças geralmente é longo. Os primeiros sintomas costumam aparecer por volta dos 60 anos, mas evoluem rapidamente para quadros progressivos de demência e de distúrbios motores, que levam à morte em questão de meses ou poucos anos. A doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), a patologia priônica humana conhecida há mais tempo, afeta uma em cada um milhão de pessoas e é causada por mutações esporádicas (85% dos casos) ou hereditárias. Casos de iatrogenia, hoje raríssimos, já foram relatados como o uso de hormônios extraídos de cadáveres, transplantes de córnea, aloenxertos de dura-máter e materiais neurocirúrgicos contaminados.A nova variante da Creutzfeldt-Jakob (nvDCJ) ? versão humana da doença da vaca louca ? ainda preocupa as autoridades de saúde do Reino Unido, onde três casos de infecção por transfusão de sangue foram registrados nos últimos anos. A doença de Gerstmann-Sträussler-Scheinker (GSS) é hereditária e ainda mais rara (5:100 milhões). A insônia familiar fatal assombra pelo menos 30 famílias no mundo. O kuru, hoje erradicado, era encontrado num povo nativo da Nova Guiné que praticava rituais canibais. Em animais, as doenças priônicas mais relevantes para a saúde pública são o scrapie, que acomete ovelhas e cabras, e a encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca), resultado da suplementação da ração do gado com refugo de carcaças de ovelhas com scrapie. Proteínas replicantesEmbora as doenças priônicas representem um grande desafi o diagnóstico e terapêutico, seu aspecto mais fascinante é a própria natureza dos príons. É o único caso conhecido de molécula protéica responsável por um processo infeccioso do qual não participam microorganismos. Não foi à toa que Stanley Prusiner causou polêmica em 1983, quando propôs um mecanismo inusitado para explicar essas doenças. Segundo a hipótese "protein-only", como fi cou conhecida, o príon patogênico seria uma molécula replicante, cuja propagação dependia do recrutamento de príons celulares. Assim, ao encontrar estas proteínas normalmente ancoradas na face externa da membrana dos neurônios, a versão maligna as converteria em réplicas de si mesmo, igualmente patogênicas e disfuncionais, deflagrando um processo de multiplicação exponencial.Fonte:Martins et al. Prion diseases are under compulsory notifi cationin Brazil: surveillance of cases evaluated by biochemicaland/or genetic markers from 2005 to 2007. Dementia& Neuropsychologia. Gattás VL et al. New variant of Creutzfeldt-Jacob (nvDCJ)disease and other human prion diseases underepidemiological surveillance in Brazil. Dementia &Neuropsychologia. Martins V et al. Complementary hydropathy identifi es acellular prion protein receptor. Nature Medicine 1997;3: 1376-82. Collinge J, Clarke AR. A general model of prions strainsand their pathogenicity. Science 2007; 318: 930-6.mer e ParkinsonPOR LUCIANA CHRISTANTEhttp://www.revistapesqui samedica.com.br/PORTAL/textos.asp?codigo=11126
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