A Montanha dos Sete Abutres e a Casa da Hipocrisia
Juarez Chagas/Professor do Centro de Biociência da UFRN(
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Os mais jovens e distantes da área jornalística, certamente nunca ouviram falar na Montanha dos Setes Abutres, um filme dramático, cuja repercussão nos anos 60, atingiu a mídia em cheio e a fez repensar a ética e a moral da imprensa, inclusive servindo como referência para vários cursos de jornalismo, mundo a fora.
O filme dirigido pelo austríaco Billy Wilder (Ace in the Hole, USA Paramount, 1951) conta a história de Charles Tatum, um jornalista inescrupuloso, magistralmente vivido por Kirk Douglas, o qual após perder vários empregos em grandes jornais, consegue esconder sua mediocridade e má sorte trabalhando num pequeno jornal, no Novo México, para lá enviado por seu editor para cobrir, a contra-gosto, uma caça às cascavéis que se concentraram no pequeno lugarejo. Claro que caçar cobras e lagartos e estampá-las num jornal nunca fora a ambição de Chuck Tatum. Isso era muito pequeno para ele, que se mostrava mais venenoso que as próprias cascavéis, quando se tratava de vencer na vida.
No desenrolar da história, observa-se notoriamente o caráter (não é certo se dizer que alguém não tem caráter ou personalidade, pois na verdade todos têm, sejam estes bons, duvidosos ou ruins) de Tatum, o qual destaca a notícia em detrimento da verdade e valor real dos fatos. Tanto assim é, que o mesmo debocha sarcasticamente de um aviso afixado no quadro da redação, “Diga a verdade!”. Enquanto isso, entre uma migalha e outra, ele aguarda sua grande oportunidade para o grande “furo” de sua vida (daí o título do filme...).
Finalmente, chega a grande chance de Chuck Tatum quando Leo Minosa, um homem simplório dono de um posto de gasolina, fica preso na caverna da "montanha dos sete abutres", que servira de tumba a antepassados indígenas. A partir desse momento, Tatum arma um verdadeiro “circo” em torno do fato para ganhar notoriedade e, talvez até um prêmio jornalístico. Convence, chantage­ia autoridades locais e retarda em uma semana um resgate que poderia ser feito em poucas horas. Pior ainda, consegue manipular e controlar a inescrupulosa mulher de Leo (Ian Sterling), convencendo-a a não abandonar o marido soterrado e também, induzindo até o ambicioso xerife local, somente preocupado com sua reelei­ção. Na verdade, foi criada uma trama de interesses, “comprada” pela opinião pública, que logo se manifesta em torno do acontecimento, tornando-se o contra-ponto da história.
Mesmo ainda numa época remota, comparando-se com o que temos hoje em termos de comunicação, A Montanha dos Sete Abutres é um excelente exemplo de como o público é levado a reagir frente a situações de extrema comoção ou sensacionalismo, especialmente quando veiculadas à exaustão pela mídia. No filme, à medida que o fato ganha importância, mais as pessoas se aglomeram ao redor da montanha, aguardando o desfecho final. A população elege Leo Minosa seu amigo preferido, apesar de o conhecerem apenas por uma foto publicada no jornal. O marketing e o comércio, também se faz presente, pois até um parque de diversões é instalado ao redor da montanha. O drama humano junto às circunstâncias reais ou inventadas pelo repórter para a trama e a abordagem sensacionalista embebedam o público, fazendo-o participar do fato, de fato, muitas vezes até conivente.
Na verdade, lembrei-me desse filme (e agora vem a segunda parte do título do artigo, a casa da hipocrisia) por ocasião da divulgação do BBB8, nos jornais e televisão, pois se formos fazer uma grosseira analogia entre ambos, vamos encontrar muitas semelhanças, principalmente no que diz respeito a escrúpulos (melhor dizendo, falta de), manipulação e especulação da mídia, usando pessoas sob a hipocrisia (porém real e fabricado) de um gordo prêmio, pago totalmente pela população consumista que se deixa levar por ilusões.
É claro que no caso do filme, o premiado seria apenas o jornalista e, no máximo, a mulher da vítima e o xerife local. No caso do BBB, os finalistas, os promotores e a mídia, indiscutivelmente. Isso sem considerar os “estragos”causados às Natureza e Condição Humanas sob um confinamento velado (em sua mais “famosa” casa, como dizem os organizadores), para se arrancar comportamentos atípicos ou simplesmente para mostrar do que o ser humano é capaz, mesmo sob a condição de animais de laboratório.
Analisem a frase do diretor do programa Boninho, publicado num jornal recente, quando perguntado: “O que vocês farão nesta nova edição, para inovar um programa que já está no ar há oito anos?”. Vejam a resposta: “Tudo que for possível, não existe limites ou regras que devemos seguir”. Isso só acontece porque tem público e grande!