Cenários Urbanos - CENA 1
(Alexandre Damasceno)
Julia vem saindo da universidade quando é abordada por um jovem, que a agarra pelo braço e anuncia o assalto: - Perdeu, gata. Quero relógio, celular e dinheiro, senão te furo – mostra um pedaço de vidro. E complementa: - Ah, e tira esse cordãozinho aí, também. A moça, sem ação, só consegue murmurar, já com os olhos marejados: - O cordão não... Foi presente do meu pai, por favor, tem dinheiro aqui – abre a bolsa. O pivete estava irredutível: - Não quero saber... Agora é meu. Tira! Nisso, ouve-se o barulho da freada de um ônibus, um falatório, o som da porta abrindo. O motorista desce, gritando: - Solta a moça, ô vagabundo! O ladrão pára, vê o motorista, muito mais velho do que ele. Podia reagir, mas, não faz nada. Olha fixamente para o velho. Em um movimento rápido, passa o caco de vidro no braço de Julia e sai correndo, gritando: - Isso é pra você lembrar de mim. O motorista, com os olhos a transbordar de indignação, socorre a moça: - Você está sangrando! Vamos para o hospital! – ele tremia, aflito. Julia, por incrível que pudesse parecer, estava mais calma: - Não foi nada, só um arranhão. Vou até a enfermaria. Lá fazem um curativo e eu ligo pro meu pai mandar alguém me buscar. – disse a jovem. - Vai dar queixa? – disse o motorista, parecendo meio preocupado. - Não, ele não levou nada. Graças ao senhor. Muitíssimo obrigado. Dê-me seu telefone, meu pai vai recompensá-lo. – falou ela, sem pensar. O motorista demonstrou certa contrariedade: - Obrigado, mas não fiz pelo dinheiro. Alguém podia ter se machucado feio. Pensei nos meus filhos. – Disse, com um ar triste – Se você está mesmo bem, tenho que ir, os passageiros estão esperando. Ela ficou desconcertada. Não falara por mal: - Desculpe-me, não foi minha intenção ofender. Agradeço muito sua preocupação, mas pode ir tranqüilo. Mais uma vez, muito obrigado. Vá com Deus. – despediu-se com delicadeza e ainda meio sem graça. Cada um seguiu o seu caminho. O motorista entrou no ônibus e Julia foi para a enfermaria da faculdade. Os passageiros estavam agitados. O motorista, que se chamava José, prosseguiu viagem. Alguns quarteirões depois, ainda abalado com o acontecido, sentiu a visão ficar embaçada pelas lágrimas. Quando percebeu o sinal fechado, era tarde. O barulho de vidro estilhaçando e o solavanco já antecipavam um novo contratempo.A pancada destruiu a traseira do luxuoso sedan. Dr. Arthur, desceu do carro, incrédulo. - Você tá maluco, seu bosta? Tá cego? – Disse, descontrolado. Mas, ao ver o desespero de José, arrependeu-se. Não fazia parte da sua personalidade aquela agressividade. Talvez a reação fosse pelo fato de ter acabado de tirar o carro da concessionária. Pagara a vista e ainda não tinha contratado o seguro, o que, mesmo para um cirurgião plástico famoso como ele, significava um belo prejuízo. - Desculpe, senhor! A culpa foi toda minha! Vou ligar para a garagem, e o despachante virá para resolver. - Tenho uma cirurgia marcada daqui a uma hora, não posso esperar. – disse o médico. O cabo Leandro sai da cabine da PM do outro lado da rua, com uma prancheta na mão. Dr. Arthur antecipou-se: - De minha parte, tudo resolvido. Preciso ir. - Doutor, é melhor a gente fazer o B.O., depois o senhor vai. – aconselhou o motorista. Depois de confirmar com o policial que seria rápido, Dr Arthur consentiu. Fez o boletim e quando deixava o local o despachante da empresa de ônibus chegou. Trocaram telefones. O despachante comprometeu-se a entrar em contato o quanto antes para reparar o carro. Depois, dirigiu-se ao motorista: - José, o que houve? Em quase dez anos de empresa você nunca arranhou um carro, e bate desse jeito? José contou o ocorrido, desde o assalto. O despachante, amigo de longa data, compreendeu tudo. - Vá pra casa, e só me apareça na empresa depois de amanhã. Deixa comigo que eu seguro. – determinou. O motorista ensaiou um protesto, mas acabou acatando a ordem. Maria estava estendendo a roupa no quintal quando viu José subindo a escadaria do morro. Achou estranho ele chegar tão cedo e apressou-se em abrir a porta. O marido estava parado diante dela, com os olhos marejados. Abraçou-a em prantos. Em meio aos soluços, conseguiu balbuciar uma única frase: - Vi nosso filho hoje, Maria... .
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