BIOÉTICA
(CAIO; STYV)
Quero falar agora como enxergo a ética de preservação da vida num mundo no qual a própria presença humana na Terra significa a maior ameaça de devastação. É isso que, antes de qualquer debate, precisamos entender: essa conversa só está acontecendo por causa de nós mesmos. Não haveria essa discussão no mundo sem a presença da consciência humana conforme ela é constituída. A Terra é velha, o mundo que é novo. A Terra é antiqüíssima, mas o tempo de percepção da existência é muito recente, porque esse tempo não tem o tamanho da idade cronológica da existência medida. Por isso, encontramos fósseis de milhões de anos. Mas o mundo não começou quando a vida teve início na Terra; o mundo começou na Terra quando a consciência percebeu a Terra. Portanto, o mundo é produto da nossa consciência. Antes disso a Terra é datável. Ela é objeto de intervenção, de análise via carbono 14 e outros meios de datação, em que nos é permitido saber que aquele elemento, criatura, fóssil, cristal, mineral, qualquer que seja o objeto, tem uma determinada idade. O mundo, no entanto, é filho da consciência, da auto-percepção, e essa é uma realidade introduzida na Terra com a presença humana. O extraordinário e ao mesmo tempo irônico e contraditório é que essa presença humana na Terra, inteligente e auto-consciente, é a maior, e talvez seja a única, ameaça à própria Terra e que as demais manifestações de vida na Terra conheçam. Antes de haver o mundo, e o mundo existe como resultado da consciência que percebe a circunscrição e o indivíduo que percebe, — isto é consciência, é percepção de mundo — havia a Terra, o tempo, o espaço, mas ele não podia ser medido porque não havia o ente consciente para fazer a mensuração dessa existência. Antes disso existir, houve catástrofes naturais na Terra, meteoros gigantescos destruíram reinos animais, a vida aconteceu e encontrou o seu próprio caminho. Nunca antes nada foi tão ameaçador por mais catastrófico que tenha sido do que a presença humana na Terra. Desgraçadamente, qualquer conversa sobre bioética começa com a pergunta que temos de fazer sobre o fato da nossa presença no meio ambiente. O meio ambiente não tem problemas a não ser aqueles causados por nós, porque aquilo que no meio ambiente significa problema natural já carrega em si sua própria solução. A natureza quando se problematiza é por que já está em processo de transformação. Temos inteligência, capacidade de intervenção, consciência, poder de amealhar cultura, conhecimento e saber, de fazer empilhamento de conhecimentos que se transformam em instrumentos tecnológicos e que, de acordo com a nossa concepção de idéias, são usados para intervir no meio ambiente concreto. São essas intervenções que nos trazem hoje aqui para discutir bioética. A vida não tem nenhum problema. A ética da própria vida a própria vida conhece. A ética da vida é ser vida. Esse é o éthos dela, é a coisa em si. A vida em si carrega o seu próprio éthos. Nós é que somos o problema. Nós que nos reunimos para discutir a questão somos os vampiros do problema, porque se houvesse uma supressão radical e total da humanidade no dia de hoje, por mais que tenhamos feito acumulações de lixo, de imundices, de dejetos e de material inaproveitável e não biodegradável, seja lá qual for a natureza da produção, a ausência da humanidade na Terra faria com que a própria Terra se regenerasse algum tempo depois. A nossa presença aqui significa o catastrofismo, o apocalipsismo, o medo. É a nossa presença aqui que carrega em si a possibilidade da autodestruição. Essa não é uma questão pertinente a micróbios, nem à biodiversidade amazônica, nem a primatas, nem à camada de ozônio. Essas coisas todas não estão em crise. O único problema dessa história toda sou eu, é você, é quem nós somos, é como escolhemos viver, é o que chamamos de o meu conforto, é o que chamamos de a minha segurança, é o que ambicionamos como valor para a vida, é a nossa projeção para olado de fora de nós para os valores que deveriam habitar a nossa consciência e que foram transformados, todos eles, em objetos de consumo, em conquistas a serem realizadas e que só podem materializar os próprios objetos do nosso desejo se a Terra for saqueada em todos os níveis possíveis.
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