O ESCRITOR
(PEDRO PAULLO)
O ESCRITORCá estou eu, como sempre estive, preso no tempo e no espaço, envolto pelos meus fantasmas, sossegado e melancólico. Não faz muito tempo que construí minha cabana. Desenhei-a em meus pensamentos e ela foi se erguendo. Foi até fácil. A paisagem que escolhi, a muito estava guardada em meu âmago e bastou-me fechar os olhos e lá estava as montanhas, verdes e úmidas, sob um céu muito azul com as pinceladas brancas das nuvens. Encravei os troncos na terra e logo a cabana estava de pé. Uma construção tosca, quente no inverno e amena no verão. O dormitório, a sala, o escritório e a cozinha formavam um único aposento. Só o banheiro foi construído separado, espaçoso e bem iluminado, com uma banheira próxima da janela. Nunca gostei de banheiros pequenos. Esse lugar da casa, onde passamos a nossa intimidade a limpo, precisa ser amço, arejado e perfumado. Em volta da casa, construí um jardim, plantei flores; mais ao fundo, um pomar; bem à frente, deixei as árvores nativas, onde se destacava um ipê branco.Francisca, esposa de um lavrador da região, o Mané Grutão, todos os dias caminha durante uma hora, cuida das minhas refeições, da arrumação da casa, das minhas roupas e, logo depois do meio-dia, despede-se e vai embora.Levanto cedo, gosto do inverno. A natureza adormecida obriga-me a escrever mais e passo o dia sobre a minha escrivaninha, ao lado da janela e, só de vez em quando, levanto os olhos na direção da paisagem em busca - acho - que de fantasmas. À noite, aqueço-me diante da lareira lendo Graciliano Ramos ou Gabriel Garcia Marques (um, extremamente realista; enquanto o outro, fala de mundos fantáticos). Quando vem a primavera, tudo muda. Deixo um pouco o casulo e vou cuidar das plantas. É quando eu a espero e sei que não virá, pois o lugar onde ela mora está além dos meus braços e dos meus olhos. Mesmo assim eu a espero e sempre vou esperá-la, imaginando que, quando ela chegar, o seu perfume vai se confundir com a fragrância das flores. Eu estarei adormecido, ela chegará, com um vestido longo e transparente. Abrirei os olhos e verei seu corpo sob o tecido, cortado pela luz do sol da manhã. Tomaremos café juntos e ela me falará das suas viagens, das suas alegrias e tristezas e, suavemente, deixará seu corpo pender sobre o meu e, com ardor e paixão, se entregará por inteira aos meus desejos. Há!...Mas ela se vai,como não veio, apenas uma imagem.Mesmo assim, gosto da primavera, do cheiro que ela trás, das cores que mudam lentamente, do orvalho que escorre por todos os lados e das primeiras chuvas, batendo no telhado, balançando os galhos envoltos em folhas verdes, formando pequenas poças. No verão, faço longas caminhadas e recomponho-me nas águas do lago, por longas horas, completamente nu. Quando vem o outono, algo novo me contagia: meu ser prepara-se para uma espécie de hibernação. Volto a escrever freneticamente e, nas vezes que saio, como formiga, junto madeira para o inverno e caminho sobre as folhas secas. As chuvas, que no verão mantiveram-me tantas vezes dentro de casa, estão longe.Logo, voltará o inverno e eu terei, talvez, terminado mais um livro. Não sei se o mundo vai apreciá-lo. Espero que sim, pois é o que melhor sei fazer. Vivo com os meus personagens. Eles são gerados em meu âmago e vivem à minha volta, riem, choram, amam, matam, violentam; são pobres, ricos, formam exércitos; e são mortais, tal como eu. PEDRO PAULLO
Resumos Relacionados
- Estações
- Sou Mulher Com Muito Orgulho!
- O Gosto Da Paz
- 1 Noite
- Ao Amanhecer No Dia Virá!
|
|