A MELHOR IDADE
(Lucapajuli)
A MELHOR IDADE Quando meu querido e saudoso pai se aposentou fui visitá-lo lá no interior. Depois do forte abraço na chegada a sua casa, perguntei-lhe como era a vida nova. Sorridente, respondeu-me que a partir do momento em que pendurara as chuteiras, não existia mais sábados, nem domingos, os dias da semana eram todos iguais. Meus filhos, quando entrei para o rol dos inativos, muito ao contrário, enfocaram a questão sob outro aspecto. Disseram-me que eu deveria ter algum objetivo na vida. Como iria passar por uma situação jamais vivida, fiquei meio apreensivo, mas em pouco tempo constatei que era bom demais desfrutar do “dolce far niente”. Uma ponta de inveja surgiu num primeiro instante quando disse a um amigo também aposentado, que a única coisa diferente era a grana que os caras na ativa estavam ganhando, enquanto nós tínhamos de nos contentar com os proventos da previdência. Qual nada, falou-me ele baixinho, essa turma está procurando chegar onde já estamos, com o que concordei plenamente. Aos meus filhos mostrei minhas novas e gostosas prioridades e eles pararam de falar em objetivo. Além de vestir o pijama e cheirar as panelas, tenho importantes “encargos”: cuidar dos netos, manter antigas amizades e cultivar novas, passear, viajar fora das férias, visitar amigos e parentes, ir ao cinema, teatro, circo, parques, ler até cansar, navegar, inclusive na internet, escrever todo dia, além de desempenhar a contento os “encargos domésticos...”. Não tenho horários, não preciso mais me barbear todas as manhãs, muito menos vestir um terno, botar uma gravata e um sapato apertado. Pago minhas contas quando posso, vou ao clube a hora que quero, vou ao shopping center, ao hiper e supermercado, atacadão, compro, costumeiramente, ofertas, inclusive pela internet, bato papo com os taxistas da esquina ou com o catador de papelão e de latinhas, vou a restaurantes, bares e passo pelos “botequins da vida”, vou atrás de rações para meus cães e periquitos, cuido dos meus quatrocentos pés de café catuaí, rubi e outras rubiáceas, das orquídeas e antúrios que ganhei do sogro e herdei do meu saudoso cunhado. Ando de carro ou a pé, busco jornais e revistas nas bancas, converso com vizinhos, com o farmacêutico da rua ou com o padeiro, troco idéias com a turma mais velha, falamos de política, da febre amarela e de outras mazelas deste incrível país. Vejo futebol a qualquer momento, curto na TV reprise dos filmes já vistos no cinema, ponho meus CDs e DVDs pra rodar, ouço rádio FM a todo instante, acompanho o noticiário, mas não consigo ver novela e tenho náusea só de ouvir falar no abominável BBB, que querem enfiar goela abaixo do telespectador. Por tudo isso, que não é privilégio só meu, passei a entender porque se diz estar na melhor idade. Todos dessa categoria ainda podem pagar menos nos cinemas, teatros e espetáculos públicos, não precisam entrar em filas e têm muitas outras vantagens impostergáveis. O melhor elogio é quando você vai pagar menos e o bilheteiro pede seu documento para ver se você se enquadra. Quando você pega uma estrada, não precisa mais perseguir a velocidade máxima permitida, você tem todo o tempo pra chegar ao seu destino. Ao ler um livro e não gostar, pode parar, pegar outro até a leitura se tornar interessante. Aliás, o homem vale pelos livros que tem e não pelos que leu (alguém já salientou isso...). E, como é bom ter o livro na estante, saber que está lá para consulta futura. Você mexe com seus neurônios toda vez que ler um livro. Neurologistas dizem que a leitura de um livro é o melhor exercício para os neurônios. Quem está na melhor idade também passa por momentos de esquecimento, do tipo pegar o telefone e ligar pra você mesmo ou não saber onde estacionou seu veículo, ou onde deixou a chave de casa ou se a capanga ficou na loja ou no restaurante. Tudo isso é normal, para os especialistas: você só deve se preocupar quando procurar o relógio, achá-lo e não saber pra que ele serve... Pílulas, comprimidos, antioxidantes, que você toma pra pressão, pra memória, pra manter a forma ou até pra “produzir mais”, fazem parte da rotina diária e ninguém, por isso, pergunta se você é hipocondríaco. Se a barriga cresceu ou você afinou, ninguém mais o chama de barrigudo ou de palito (pelo menos na sua frente...). Também você pouco se importa com isso, mesmo porque não tem nenhuma pretensão de conquistar a rainha do carnaval ou as musas da passarela. Quando você reúne os amigos pra pizza ou churrascada numa festa para comemorar alguma data importante, os vizinhos nem vão notar, só os cachorros é que vão latir. Mesmo que o grau dos óculos aumente a cada dia, ou que suas articulações sofram com o frio, ou que você continue todas a noites a se levantar para ir ao banheiro, ou que você atue sempre no “estrito cumprimento do dever” com sua mulher, a melhor idade é tudo isso aí e muito mais. Quem abraça com convicção a melhor idade, nada têm a reclamar, mas só a exaltar, mesmo porque ela se parece muito com os bons tempos da infância, apenas deixa de lado as apreensões e incertezas amargas daquela época.
Resumos Relacionados
- Ganhe Dinheiro Navegando Na Net
- Assistindo à Vida Alheia
- Meus Quase Vinte E Seis
- Renilton
- How To Win Friends And Influence People (como Ganhar Amigos E Influenciar Pessoas)
|
|