Quantas vezes morremos antes de Tanathos chegar?
(Juarez Chagas)
Quantas Vezes Morremos Antes de Tanathos Chegar?
Juarez Chagas/Biólogo e Psicólogo
Professor do Centro de Biociências da UFRN
Somente depois de séculos de hibernação é que o interesse sobre a Morte, do ponto de vista mais científico, começou a ser visto com outra visão que não apenas teológica, dogmática ou espiritual. Poderíamos dizer que, este aspecto teve início na Renascença, quando, através da dissecação de cadáveres, a morte passou a ter também um sentido acadêmico. Mas, o pavor e pânico que velam este tão importante tema que diz respeito às nossas vidas e ao próprio desenvolvimento humano, ainda está longe de ser desmistificado.
O interesse em saber quem é essa personagem viva, embora sendo morte, cuja imagem personificada de esqueleto em seu cavalo, aflige e ceifa vidas com sua foice impiedosa e que, cedo ou tarde, nunca falha, sempre foi um dos mais arraigados e absolutos conflitos no consciente e inconsciente individual e coletivo do ser humano. Porém cabe uma simples pergunta lógica: se o interesse é tão vital, por que a morte ainda permanece um tabu, figura velada, oculta e intocável, já que todos os dias, senão a todo instante, a vemos, temos contato com ela, de uma forma ou de outra? A resposta também parece simples e lógica: medo. Sim, é o medo que ela alastra mesmo antes de nos causar a própria morte! Pior ainda, pânico para muitos e angústia para tantos outros, chegando inclusive a influenciar no comportamento humano.
A discussão, no entanto pode parecer contraditória, quando concordamos que um dos desejos da sociedade, sempre ávida por descobrir a verdade nua e crua de segredos e mistérios que tanta importância têm para o ser humano, por que a morte permanece ainda um tabu estigmatizado? Talvez a resposta esteja nas diferentes culturas, crenças, religiões que ao longo do tempo têm mantido esse assunto sob mantos de mistérios velados.
A morte surgiu com a vida e seria arriscado e impreciso afirmar o tempo de sua existência mesmo com as estimativas cronológicas apresentadas por fundamentações empíricas, teóricas e científicas sobre os fenômenos da Natureza. Entretanto, não é apenas o fato do morrer simplesmente que aflige o ser humano e sim quantas vezes morremos antes de sucumbirmos definitivamente.
Existem mais do que razões para acreditarmos que antes de morrermos definitivamente, morremos inúmeras vezes, mesmo que não percebamos isso claramente. Essa constatação encontra embasamento e sustentação no incontestável fato de que a morte é uma separação, uma perda definitiva, na verdade, a mais brusca e fatal das separações já experimentada pelo ser humano. Mas, existem também outras separações e perdas no decorrer da vida do indivíduo que, se não o aniquila como a morte-mor o faz, conduzindo-o à lápide dos mortos, mata dentro de si, na alma, na mente e até no orgânico ou “processos orgânicos vitais”. Portanto, a pergunta do título “Quantas vezes morremos antes de Tanathos chegar?”, realmente procede, pois bem sabemos que, mitologicamente, Tanathossendo o deus da morte, teria domínio sobre a vida das pessoas. Daí, tanatologia significar o estudo da morte,enquanto Eros é vida, amor.
Porém, retomando a questão abordada sobre as várias mortes pelas quais o indivíduo está fadado a passar e vivenciar ao longo de sua vivência, peguemos o exemplo da Pequena Lucy, uma criança de família brasileira urbana, de classe média.
A pequena Lucy amava sua bonequinha de pano Florzinha, a qual ganhara quando completou três anos de idade. Até os oito anos nunca havia passado uma só noite que as duas não estivesse lado a lado, na cama trocando confidências, segredos e mistérios comuns ao mundo mágico das crianças. Mas, um dia Florzinha foi roubada por uma colega de escola de Lucy que viera, juntamente com outras amigas, fazer uma tarefa lúdica em sua casa. Ã noite, na hora de dormir, Lucy não encontrou Florzinha. Desesperada, depois de revirar quase todo o quarto e não encontrá-la, ela desesperadamente diz, em prantos, para sua mãe. “Quero Florzinha! Quero minha boneca! Quero morrer!”. Com o passar dos dias e da certeza da perda de sua boneca, algo já morrera em Lucy. A perda da sua boneca, constituiu-se noutra perda, um tipo de morte em si...
Assim como o caso da pequena Lucy, todos os dias, a toda hora exemplos semelhantes estão acontecendo em todo o mundo. Separações de casais, amores perdidos ou desfeitos, desilusões e sonhos perdidos, morte de mitos e heróis e inclusive a morte do outro, o outro com quem se tem laços, tudo isso constitui uma morte. E, ainda não sabemos, do ponto de vista científico, a dimensão exata que essas mortes podem causar, pois elas afetam profundamente nossa subjetividade, desorganizam e desequilibram nossa psiché e desestruturam nossa mente, afetando normalmente também o somático, fazendo como que todo esse processo se arraste, na maioria dos casos, até a morte definitiva, para não dizer por toda a vida. Então, podemos dizer,sem sobra de dúvidas que morremos muitas vezes antes de Tanathos chegar!
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