Não verás país nenhum
(Ignácio de Loyola Brandão)
O BRASIL DEPOIS DO AQUECIMENTO GLOBAL
As mudanças climáticas pelas quais o Mundo vem passando tornaram-se mais conhecidas pela realização de conferências internacionais a respeito do tema, em especial Kyoto e, recentemente, Bali. Cientistas, políticos, ambientalistas e pessoas interessadas, de diversas áreas, discutem o que deve nos esperar no futuro, tendo em vista o aquecimento global. Uma idéia de como pode estar o Brasil depois das anunciadas mudanças climáticas pode ser encontrada no livro de Ignácio de Loyola Brandão: “Não verás país nenhum”.
O espaço geográfico do livro é a cidade de São Paulo, com algumas alusões ao Brasil e ao Mundo. O tempo: a “Era Solar”. Para entendermos o que seja esse período, vamos à explicação dada diretamente ao leitor: “Sabe o que é o sol verrumando [furando, torturando] sua cabeça, com um parafuso entrando direto, mais fulminante que aneurisma? Não sabe. Tudo que conhece é aquele sol de praia em verões cariocas ou nordestinos. Sol que avermelha, depois faz a pele descascar inocentemente, com um pouco de cócegas”. Pois bem, a Era Solar é um período em que o sol é tão forte que consome a pele, a carne e os ossos de uma pessoa que fique a ele exposto.
O tempo não se conta mais em anos, mas em acontecimentos, em períodos, tais como: Grande Época dos DIs (Decididamente Incompetentes); Grande Locupletação; Estéril Época dos Inúteis Debates; Grande Medo de Sair às Ruas; Era das Casuísticas; Racionamentos Incríveis; Notável Congestionamento; e por aí vai. Uma época importante, sobre a qual são feitas diversas referências, é a chamada de Abertos Oitenta. O livro foi escrito em 1982, ano em que houve a primeira eleição para Governadores de Estado após a ditadura militar. Além disso, uma breve história dessa década demonstra a ocorrência de diversos acontecimentos relevantes, no País e no Mundo, a saber: 1985 – eleições municipais diretas; 1988 – novas eleições municipais e a promulgação da Constituição Federal em vigor; 1989 – eleições presidenciais diretas, depois de vinte e um anos de regime autoritário e a queda do Muro de Berlim. O “Abertos Oitenta” realmente foi um período importantíssimo, e o livro antecipou, de maneira impressionante, diversos desse acontecimentos. Vejamos um exemplo: o ano de 1989 nos mostrou a queda do Muro de Berlim; acabava, com isso, a marca do regime comunista da então União Soviética, e, para alguns estudiosos, iniciou-se a arrancada para o processo de globalização. E o senhor Souza tem palavras para esse evento: “os comunistas tinham se tornado bichos raros, quase extintos. Um pouco pela repressão, e muito pelo desencanto, extinguiam-se do mesmo modo que aves e animais da fauna brasileira”.
Diante do futurismo (e há muitos mais casos descritos), Souza não conseguiu prever o fim da União Soviética e a evolução tecnológica nas telecomunicações. Entretanto, nesse emaranhado de tempos, o livro consegue nos apresentar uma possibilidade, tão assustadora quanto factível, de futuro em diversos setores: política; economia, mercado de trabalho; consumo; religião; Poder Judiciário; relacionamento familiar; filosofia; alimentos transgênicos; racionamento de energia etc. ; e, talvez o principal, a questão ambiental, que merece um pouco mais de atenção de nossa parte.
Para termos uma idéia inicial do que se passa com o meio ambiente, Elisa, com 19 anos de idade, jamais vira uma árvore de verdade em sua vida. A água era vista em museu, onde as chuvas eram artificiais e mostradas em cinemas, e a urina era reciclada para o consumo.
A “Era Solar” do Souza é um tempo em que falta água, mas também falta solidariedade, a ética “é coisa do passado” e é muito difícil serem mantidos os princípios – seriam essas ausências (água e solidariedade) relacionadas e conseqüentes? Trata-se de uma época em que há “bolsões de raios solares” (causados por buracos na camada de ozônio?)capazes de derreter animais, inclusive o homem, e, da mesma forma, “bolsões de individualismo”, cada um tentando, com toda a (pouca) força lutar para manter o seu próprio espaço.
E no meio desse mundo aquecido, extremamente aquecido, e individualista, extremamente individualista, destaca-se a estória de um homem resignado. Resignado em todos os sentidos. Um homem que até iniciou uma luta política contra a opressão e o abuso do poder, mas desistiu e, em uma certa medida, entregou-se às benesses do Esquema, que um sobrinho influente pôde lhe proporcionar (cotas adicionais de água, por exemplo). Uma pessoa que deixou seu casamento esmorecer e dissolver no tempo e no espaço, sem que ele tenha tomado qualquer atitude afirmativa para mudá-lo ou terminá-lo definitivamente. Um cidadão que, após ter se resignado tanto, deixou-se conduzir até a solução final para o aquecimento (solução muito curiosa e que o manteve vivo), sem, tampouco aqui, demonstrar qualquer interesse em mudar o rumo das coisas. Um ser humano que acabou por depositar toda a sua esperança em uma brisa, que não se sabe se real ou fruto de um delírio: “Se for delírio, que mal faz?”.
Mas esse homem, essa pessoa, esse cidadão, enfim, esse ser humano deixou um recado muito claro para nós, leitores de uma época às vésperas do aquecimento global (ou já estaríamos nele?): “Temos de convir. Vocês são felizes conhecendo coisas que estão por vir. Nem todo mundo tem o privilégio. Não me perguntem: o que podemos fazer para evitar que tal época venha a existir? Se moverem um parafuso dentro da ordem das coisas, o que estou vivendo não acontecerá”.
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