"A criança que fui chora na estrada"
(Fernando Pessoa)
“A criança que fui chora na estrada” é um soneto (2 quadras e 2 tercetos) de versos decassilábicos, com o esquema rimático abab baba cdc dcd, em que constam rima cruzada, interpolada e emparelhada. O ritmo é proporcionado por frases complexas e pontuação não excessiva, mas necessária.
O tema do poema baseia-se na infância, na nostalgia do bem perdido e do mundo fantástico da infância, que provoca angústia existencial, entre outros sentimentos. Pode ser dividido, conforme a interpretação, em duas partes:
1 – Sentimento e querer/vontade do sujeito poético em que se fala, na 1ª quadra, da nostalgia da infância, e, na 2ª quadra, sobre a estagnação psicológica por não encontrar a infância.
2 – Condição/possibilidade de conseguir observar a infância perdida através do presente e, ao vê-la, poder recuperá-la ou encontrar um pouco dela em si.
VV. 1 e 2 Oposição temporal (Passado – Presente) » A infância não desapareceu por completo, apenas está submersa na pessoa que é agora, à espera de ser recuperada, já que o indivíduo decidiu ser diferente e abdicar dela; porém, a criança, que deveria ser feliz, chora, ou seja, representa sofrimento e abandono indevido.
VV. 3 e 4 O poeta sente-se descontente por não ser mais do que é, deseja regressar ao tempo onde foi feliz e voltar a ser criança que não pensa, só sente.
VV. 5 – 8 Mesmo assim, há quem erre ao tentar regressar ao passado e não consiga inclusivé alcançar um pouco da criança que há em si, acabando na ignorância, sem saber de onde veio, nem onde está. Representa a estagnação e a ausência de felicidade, já que só existe a dúvida e não pode sentir nem progredir.
VV. 9 – 14 Caso seja possível relembrar aquilo que se esqueceu observando o passado, sem sair do presente, poderá, pelo menos, perceber quem é agora, visto que não é aquilo que foi (já não é a tal criança). Assim, verá ao longe (na memória e nas recordações) quem foi, podendo encontrar na sua imagem presente a influência (ou até mesmo parte) da imagem do passado.
GRAMÁTICA:
Frases negativas e declarativas com vocabulário simples. Uso dos verbos copulativos (ser, estar, ficar, ir) – demonstram a dúvida do sujeito poético ao longo do poema, já que colocam em evidência a oposição temporal.
Oposição temporal: Neste poema, a grande especificidade da gramática observa-se na frequente utilização do pretérito perfeito, do presente e do futuro, que criam uma ligação e dificuldade em criar um distanciamento psicológico e divisão total desses momentos (ou seja, estão interligados), sugerindo a indecisão do sujeito poético quanto ao seu percurso temporal.
RECURSOS ESTILÍSTICOS:
Repetição do verbo “ser” (vv. 2, 3 e 4) – intensifica a angústia existencial do sujeito poético e a busca pela resposta à pergunta chave “quem sou?”.
Repetição de “ao menos”(vv. 9 e 12) – intensifica a ideia de um mínimo que foi estabelecido como objectivo e que se espera que aconteça.
Interrogação retórica “como hei-de encontrá-lo?” (vv.5) – A resposta é dada pelo poeta ao longo do poema: não há como encontrá-la pois falhou o regresso e, assim sendo, a pergunta pretende apenas criar uma aproximação do receptor e reforçar a ideia da vontade de encontrar a infância perdida, a qual pode ser encontrada, caso se descubra como e não se erre ao regressar a esses tempos.
Pleonasmo “erra a vinda = regressão errada” (vv. 5/6) – Reforça a ideia frustrada de voltar à infância perdida através da repetição do mesmo significado com diferentes significantes.
“alma parada” (vv.8) – É o próprio sujeito poético que parou, mas atribui tal facto à alma/coração, ao inconsciente, pois é aquilo que sente e cria as emoções do sujeito.
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