Freud e a princesa
(Benoît Jacquot)
Freud e a Princesa, roteiro para o cinema adaptado do livro "Freud e a Princesa Bonaparte", por Louis Gardel e François-Olivier Rousseau, sob direção de Benoît Jacquot, segue a ordem da obra literária (Relume Dumará), mostrando recortes de sessões psicanalíticas de Marie Laetitia Bonaparte (1882-1962), por Sigmund Freud. A sobrinha-neta de Napoleão Bonaparte, antes de adentrar a primeira sessão, lera toda a obra do pai da psicanálise. Inteligente, ousada, sagaz e instigante, Marie conduz Freud a uma psicanálise didática, de forma que para cada interpretação é quase dada uma aula de investigação psicanalítica, explicação do mestre à aluna sobre como chegou a tal elaboração. Com cerca de três horas, o filme expõe os princípios da psicanálise, tais como transferência, o princípio das neuroses, sintomas, interpretação e resistência. Sem a pretensão de descobrir Marie, e dizendo a ela que o mérito dos "insights" são todos dela, Freud interpreta de acordo com seus postulados, mas jamais como uma obra acabada, um dogma, uma imposição do saber. A analisanda pode concordar ou não com tais interpretações. Uma delas, rejeitada por Marie, a leva a investigar sua própria história, apelando para o relato de determinadas personagens. Choca-se ao perceber que Freud estava certo. Marie quer ser psicanalista, e o roteiro mostra nitidamente o caminho a ser percorrido pelos pretendentes a tal façanha - segundo um bem humorado Freud, a psicanálise é tão delicada, por tocar profundamente a alma, que não pode ser praticada por médicos -, ou seja, o tripé conhecimento teórico, análise própria e clínica, a psicanálise do outro. Contudo, o conhecimento teórico de Marie Bonaparte e sua análise, cujo término é decretado em uma discussão com Freud, esclarecedora sobre seu estado "saudável", não é o bastante para que sua prática psicanalística com os outros não suscite críticas. Tal prática de Marie Bonaparte é repreendida por Freud, por permear o tratamento analítico por acontecimentos externos que deveriam ficar alheios ou distanciados da relação analista-analisando. Tais como a aceitação (e não a interdição) do seu amante como analista de seu filho; a prescrição de psicanálise para a suposta futura nora - dois casos atravessados pelo Complexo de Édipo -; ou o convite a seus analisandos para que freqüentem sua casa de praia. Na segunda e terceira décadas do século passado, a psicanálise se descobria e, tal como hoje, ainda não está pronta. É como se fosse um processo analítico interminável de si mesma - nada mal para uma terapia cujo interesse na alma humana, e não em dogmas e ortodoxias, está acima de tudo. Esta é uma das facetas do filme. Há várias. A outra, que sobressai no roteiro, é a questão do próprio Freud às voltas com o dilema de se deixar morrer, fosse pela foice da velhice ou pela cruz suástica dos nazistas. Pela força do entusiasmo da discípula, analisanda e amiga Marie Bonaparte, Freud decide-se por asilar-se em Londres. O drama de sua saída da austríaca Viena invadida pelas tropas de Hitler é tocante. Impossível não se emocionar quando uma construção tão complexa do humano, refletida por Freud em sua obra sem precedentes e de inegável importância para a história da humanidade, é quase tocada pelo irracional e irascível. É ainda mais triste ver um homem, já eternizado pelo brilhantismo de sua obra, ter que abandonar o que talvez a ele fosse mais caro: suas referências simbólicas inscritas em pequenos objetos - a seu pedido, fotografados pela amiga, a fim de reter algum sentido.
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