Momentos reflectivos – Um ensaio
(Cristina Oliveira)
O que poderei encontrar aqui?Muita coisa, se reflectir bem. A Noroeste, tal qual clepsidra em isócrona imponência, deslumbra-se um farol com sua luz cambiante que, para as mentes sublunares, revela apenas um plácido voltear, um indolente girar. Que arcana revelação encerrará no interior das suas paredes a prumo? Que segredo no seu cume, na sua taça emborcada, na sua luz áurea que aflora as nuvens na caligem? Intuo que apenas alguns saberão. A Oeste, o indizível, o manancial, a suma de todas as maravilhas, aquele que me obnubila a visão e me inebria de êxtase, enfim, o oceano. Em vão as areias tentam encontrar o seu lugar no imenso areal para logo serem rechaçadas pelas águas possantes e apostadas de acordo com a vontade das ondas, engastadas umas nas outras. Tal como um crente, eu reverencio a irreverência do gigante e, homúnculo aos seus olhos, permito que ele me embarafuste pela sentidos e me enleve, me faça esquecer o meu receptáculo, a minha exígua mansarda, a minha alcova empachada por uma peanha de quase 2 metros de largura por 2 metros de comprimento e, sobre ela, uma miniatura da Torre dos Clérigos de 1 metro de altura.A Sudoeste, dislumbro um navio de guerra?, talvez um simulacro do filiforme Queen Mary, um arauto do progresso, nostalgicamente pregustando a costa. Um ardil, com certeza, provocado pela minha visão toldada, amortecida pelo ocaso. A Sul, as dunas. Elevações que exalam odores telúricos e fétidos, que comunicam por sibilos, zunidos, sons estralejantes. Os únicos estetas que podemos encontrar aqui são as cigarras, talvez instigadas pelo fantomático, evanescente pôr-do-sol que as leve a zunir noite dentro. Mas chega, todas estas obtusas sensações tolhem a minha identidade. Passemos o olhar para Sudeste. Um par de namorados, no início da praia, encobertos pela sombra de uma rochedo, engastados um no outro. Que desilusão teria o Demiurgo se os pudesse espiar agora. Olvidados da sua condição de prisioneiros do criador do mundo, atingem a quintessência, o mais alto grau, o inefável – o amor, irrisão do esclavagismo terreno, libertação de uma cabala. A Este e Nordeste, epítome de toda a história da mais baixa condição humana, uma aldeia piscatória, obliterada pelo resto do mundo, pênsil numa outra dimensão. Vida esmorecida, desarvorada, esbaforida, vida cheia de vicissitudes. Gente dependente da irreverência do mar e da marabunta de ondas.Finalmente, a Norte, onde tudo o resto se passa. Contrastantes com a vila piscatória, os arranha-céus aprumados, panaceia para todos os males urbanos, erguem-se repletos de gente, de luzes, de sons, de cheiros e de desilusão – a hórrida e inexorável rotina dos seus habitantes, o tórriro e asfixiante gás libertado pelo motor dos veículos que propendia para o interior das habitações e, aí, se anichava em todos os cantos e concavidades que encontrava, os flamantes neons que ofuscam a visão e a razão – no meio desta marabunta de sensações e preocupações a solitude sobrevém sem explicação. Foi precisamente para Norte que me dirigi.
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