Schubertíada
(Alfredo Votta Junior)
Schubertíada Alfredo Votta Junior , 8 de Janeiro de 2006
Não quero excluir os outros; porém, entre os elementos da Música, a Harmonia é a que parece aos meus ouvidos portadora de algo sem nome a evocar, às vezes em dois segundos, lembranças, pensamentos ou idéias de séculos, ou sem tempo, ou do ano passado, ou da vida inteira, a minha e de mais alguém, ou a de muitos. Claro, não é a Harmonia sozinha, mas acabo prestando muita atenção a ela, já que me traz tudo isso. Enquanto escrevo penso em Schubert; e é tão verdadeiro para a Wandererphantasie quando para um compasso da oitava das Valses Nobles; a primeira é uma saga, ou um conto, ou um sonho, uma viagem ou uma história; a segunda é uma coleção de doze valsas para as pessoas ouvirem e dançarem em schubertíadas dos anos 1820. Adorável que a obra despretensiosa e errante tenha o nome de "nobre", e a peça nobre tenha o nome de "errante". Com vocabulário não dos mais ricos, eu já havia chamado outra peça de Schubert, o primeiro movimento da Sonata D.960, de "saga". Para mim muitas coisas são sagas, e nem precisam ser espaçosas (como essa Sonata e a Wandererphantasie); com uma noção de tempo um pouco modificada, é possível que eu veja tudo como saga; sei que vejo como sério muito do que dizem ser trivial, portanto faz sentido que isto se aplique também ao domínio do tempo. A fantasia só fui ouvir depois. Mas as Valses Nobles estão comigo desde que tinha uns oito anos, assim como uns dois impromptus; dizer isto, apenas, já deve fazer um leitor com espírito de detetive imaginar que eu possuísse um disco LP com composições de Schubert, nos quais devem estar gravados os tais impromptus e as valsas. É verdade; mas ainda sobra espaço, em que estão três marchas para piano a quatro mãos e um dos momentos musicais (originalmente Moments Musicaux, mas fiquei com medo do excesso de palavras estrangeiras neste texto, não estou por dentro das leis). A obra de Schubert para piano a quatro mãos é muito bonita, tanto as composições leves (Marchas, Divertimentos) como as mais, digamos, profundas (Fantasia em fá menor), fato que não se repete no repertório geral para essa instrumentação. Imaginem, Brahms, alemão e sublime, escreveu para piano a quatro mãos alguns pastiches húngaros que nem considerava obras suas, somente arranjos; alguns são bem charmosos e agradáveis, tudo bem, é verdade. E nunca é demais lembrar que se escreveu muita música para piano a quatro mãos para ser tocada por amadores; e amadores, naquela terra e naquele tempo, limitava, talvez, a técnica; mas limitava ainda mais o gosto. Estou saindo de Schubert? Um pouco. Tudo isto é muito bonito, estou apenas dizendo que o repertório para piano a quatro mãos não é exatamente o tipo de música preferido por filósofos – o que pode ser mais um estímulo para conhecê-lo. Comecei falando em Harmonia, cheguei em Schubert, e agora às quatro mãos. Tocar piano a quatro mãos, ou ouvir as irmãs tocando, era um passatempo na época em que não havia televisão, internet ou um automóvel com o qual se pudesse viajar para longe rapidamente e voltar na mesma noite, talvez no meio da madrugada. Lá por 1815, em vez de pegar o carro e ir com o pessoal a uma rave em Pressburg, fica-se em Viena mesmo, as priminhas tocam (podem ser primas, também), pelo menos uma delas vai-se casar antes dos dezessete, a outra talvez um pouco mais velha, mas será com um negociante rico de quase cinqüenta. Não é mentira que existiam divertimentos menos familiares, o próprio Schubert parecia gostar deles; mas, primeiro, não gosto de sujar a memória dos mortos, especialmente desses queridos; segundo, quero continuar imaginando as irmãs ao piano, iguais às de Renoir, bonitas e tranqüilas, para quem nada mais existe, ao menos por uma tarde, e todas as tardes, senão Música.
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