continuação: Archivos e Memória Cultural, de Wander Mello MIRANDA (parte II)
Neste sentido o arquivo não seria um conjunto de enunciados mortos, mas aquilo que possibilita entrever o valor diferenciado pelo qual uma obra singular é comentada e julgada através de tempos e de espaços distintos, quer seja por tradições ou por traduções culturais por vezes dissonantes.
Tal ato de lembrança tornaria os objetos literários e os textos para-literários valiosos, pois permitiria que se redesenhassem tradições – talvez esquecidas ou mesmo não narradas – e possibilitaria que se demonstrasse a atualidade de uma obra para que pensemos os tempos hodiernos. Lembremos de Pierre Menard, autor de Quixote, de Borges, em que Menard reescreve a obra de Quixote de forma idêntica, até no ponto final. A reescrita-releitura possibilitaria a atualização da crítica arguta de Cervantes, só que agora quanto ao século XX.
Uma das preocupações da constituição da Coleção Archivos seria indagar sobre o que representa o ato de escrita entre os latino-americanos e, mais especificamente, no caso do texto de Miranda, entre os brasileiros. Além disso, ao considerar leituras variadas efetivadas quanto a uma obra e autor singular possibilitaria que reinterpretássemos tanto a recepção do signo “estrangeiro” quanto o modo como ocorreria a produção de novos valores. Ambos acontecimentos poderiam reverter o horizonte de expectativas tradicional de leitores. Pensamos que mediante a exposição a leituras informadas tanto por teorias quanto por práticas de leitura distintas, o horizonte de expectativas do leitor poderia ser significativamente incrementado, estabelecendo novos modos de se ler o cânone literário.
De tal cânone Miranda considera Macunaíma, de Mario de Andrade, e A Paixão segundo G.H., de Clarice Lispector. No primeiro a prática da antropofagia, ou endofagia, como afirma Miranda, que seria elemento catalisador de uma prática de interferências e cruzamentos interculturais, já no segundo é enfatizado o embate entre a linguagem e o silêncio. Em ambos a leitura das reescritas-releituras (pelos autores) e, possivelmente, as leituras (por pensadores acerca da literatura) dinamizam fronteiras de identidades culturais que se desejou constituir em um passado não muito distante de modo homogêneo e vazio. Contudo, pelo acesso aos arquivos literários – nós consideramos – tais identidades são reapresentadas a discussão em suas singularidades de modo heterogêneos e pleno de sentido. Expressões de um tempo saturado de agoras (BENJAMIN)?
obs:Gostaria de receber um comentário. Vc gostou? Não? Porquê? Não concorda com minha leitura? Isto possibilitara que eu melhore meus resumos. Valeu
Vander Vieira de Resende
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Palavras chave: arquivo, metodologia, literatura, identidade, memória cultural, Wander Mello Miranda, Lispector, Mario de Andrade, Borges, Pierre Menard, Macunaíma, A Paixão Segundo G.H.
MIRANDA, Wander Mello. Archivos e Memória Cultural. In: SOUZA, Eneida Maria de, MIRANDA, Wander Mello. Arquivos Literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p. 35-42.