Crônica
(Paulo S Falanga)
CRÔNICAObserve-se o fragmento de uma crônica de Rubem Braga:
"Foi em sonho que revi longamente a amada; sentada numa velha canoa, na praia, ela me sorria com afeto. Com sincero afeto – pois foi assim que ela me dedicou aquela fotografia com sua letra suave de ginasiana. (...) Foi em sonho que revi a longamente amada. Havia praia, uma lembrança de chuva na praia, outras lembranças: água em gotas redondas, pingos d´água na sua pele de um moreno suave, o gosto de sua pele beijada devagar... Ou não será gosto, talvez a sensação diferente que dá em nossa boca uma pele de outra, esta mais seca e mais quente, úmida e mansa. Mas de repente é apenas essa ginasiana de pernas ágeis que vem nos trazer o retrato com sua dedicatória de sincero afeto; essa que ficou para sempre impossível sem, entretanto, nos magoar, sombra suave entre morros."
A crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser vinculado na imprensa, seja nas páginas de uma revista, seja nas de um jornal. Quer dizer, ela é feita com uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se assim, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que o lêem.
Em regra geral, a crônica é um comentário leve e breve sobre algum fato do cotidiano. Algo para ser lido enquanto se toma o café da manhã, na feliz expressão de Fernando Sabino. O comentário pode ser poético ou irônico mas o seu motivo, na maioria dos casos, é o fato miúdo: a notícia em quem ninguém prestou atenção, o acontecimento insignificante, a cena corriqueira. Nessas trivialidades, o cronista surpreende a beleza, a comicidade, os aspectos singulares. O tom, como acentua Antonio Candido é o de "uma conversa aparentemente banal".
O próprio Fernando Sabino tem uma das melhores delimitações de crônica, dizendo que ela "busca o pitoresco ou o irrisório no cotidiano de cada um". Em outro momento, o autor de O homem nu voltou a teorizar sobre o gênero:
Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num incidente doméstico, torno-me simples espectador.
A questão da linguagem
A mistura entre jornalismo e literatura leva o cronista a um freqüente impasse: para se constituir como texto artístico, o seu comentário sobre o cotidiano precisa apresentar uma linguagem que transcenda a da mera informação. Ou seja, precisa de uma linguagem menos denotativa e mais pessoal. Isso não significa elaboração muito sofisticada ou pretensiosa. Significa que o estilo deve dar a impressão de naturalidade e a língua escrita aproximar-se da fala.
Nem sempre o cronista atinge o duplo alvo: fazer literatura e expressar-se com simplicidade. Em função do grande público, é preciso buscar primeiramente a clareza e uma dimensão de oralidade na escrita. Daí porque a crônica seja considerada por muitos críticos um gênero menor: aquela vontade de forma que todo o grande artista possui termina subjugada pela necessidade de ser acessível a todos.
Além disso, o cronista tem prazos para entregar seu material, não podendo nunca deixar seu texto amadurecer. Mesmo assim, alguns desses prosadores, que escrevem sob pressão são capazes de alcançar uma linguagem literária de singular beleza. Observe, por exemplo, as deliciosas e sempre atuais crônicas de Luís Fernando Veríssimo.
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