Natureza e Enquadramento Epistemológico da Neuropsicologia (V)
(El Patron)
O nome afasia sensorial foi escolhido por Wernicke para fazer contraste com a afasia motora descrita por Broca, anteriormente. Conforme Wernicke, na afasia motora, os sujeitos falam pouco, mas compreendem a linguagem, enquanto na afasia sensorial a fala está preservada, mas a sua linguagem é inapropriada e a sua compreensão da linguagem dos outros está prejudicada. Wernicke considerou também a possibilidade de um lesão afectar as fibras associativas que contactam com o primeiro giro temporal ao terceiro giro frontal no hemisfério esquerdo, concluindo assim, a existência de um tipo de afasia na qual o paciente compreenderia a linguagem de outros e teria capacidade de produção, apesar de um distúrbio severo na repetição (Lecours & Lhermitte, 1983). Uma vez que os centros relacionados à linguagem começavam a ser isolados, as associações entre eles – em termos de fibras nervosas, passariam a ser o foco de atenção.
Paralelamente ao trabalho de Broca e Wernicke, foram descritas áreas cerebrais responsáveis por funções não linguísticas. Por exemplo, em 1855, o neurologista italiano Panizza relatou uma importante descoberta: cegueira permanente desenvolvida em indivíduos com uma lesão occipital. Esta observação foi posteriormente reforçada pela observação de que animais com tais lesões, embora retivessem a visão perdiam formas mais complexas de percepção visual. Em 1881, Munk observou em cachorros que a destruição de áreas occipitais dos hemisférios cerebrais produziam um fenómeno característico: o animal mantinha a habilidade para ver e evitar objectos, mas não conseguia reconhecê-los.
Também no século XIX, o caso de Phineas Gage, um paciente com alterações comportamentais decorrentes da lesão frontal foi descrito por John M. Harlow (1848-1849, citado em Damásio, 1996). Sem maior atenção na comunidade científica na época, este caso foi analisado mais tarde por outros autores.
Apesar da importância destes trabalhos as funções não linguísticas foram desprestigiadas. Haja visto que o estudo dos distúrbios da linguagem estava relacionado com o hemisfério dominante, enquanto que os distúrbios não linguísticos, como percepção visual, atenção e percepção do corpo e do espaço, estavam relacionados com hemisfério não dominante. Em parte, o predomínio dos estudos sobre afasias manteve-se devido ao debate gerado pelos globalistas.A posição globalista, contrária às ideias localizacionistas e associacionistas, sustentava a noção de linguagem como um processo dinâmico derivado da integração funcional do cérebro (Hécaen & Albert, 1978). Durante a primeira metade do século XX, segundo Pierre Marie, a afasia era concebida como uma desordem de natureza intelectual – bem como uma desordem unitária, e não como um distúrbio primário da linguagem. Assim ele não considerava a existência de diferentes áreas cerebrais do cérebro ligadas à linguagem, como às outras funções cognitivas. Esta perspectiva era também defendida por dois dos mais influentes neurologistas da época: Constantin von Monakow e Kurt Goldstein (1878-1965). Uma importante mudança conceptual esboçou-se a partir da iniciativa de Théophile Alajouanine, um aluno de Pierre Marie, que percebeu a necessidade da pesquisa neuropsicológica incorporar outras disciplinas além da medicina: a psicologia e a linguística. Alajouanine, um neurologista, num esforço de pesquisa conjunta com André Ombredane (psicólogo) e Marguerite Durand (linguística), publicam em 1939 Le Syndrome de Désintégration Phonétique dans lÁphasie, inaugurando o campo da neurolinguística e da neuropsicologia. Para Hécaen e Albert (1978) essas duas áreas científicas têm um objectivo em comum – o estudo das relações entre funções mentais e estruturas cerebrais – sendo a neurolinguística um dos capítulos da neuropsicologia com maior expressão em termos em termos do número de investigações, pelos menos nos primeiros anos da sua história. Na Rússia houve uma importante contribuição para traçar mais uma página da história da neuropsicologia, mais especificamente, em relação à descrição de sintomas, mas também na explicação dos mecanismos psicofisiológicos dos transtornos de linguagem. Mais tarde, Lev Vygotsky (1896-1934) procurou uma alternativa às posições localizacionistas e globalistas. Ele considerou as funções corticais superiores em três princípios centrais: a) relacionamentos interfuncionais, plásticos e modificáveis; b) sistemas funcionais dinâmicos como resultante da integração de funções elementares; e, c) a reflexão da realidade sobre a mente humana. Romanovich Luria (1902-1977) baseou-se em Vygotsky, para lançar uma obra (1992) que concebia uma ciência que mantinha relações com a fisiologia e neurologia, sem depender destas, e também que nunca perdia a perspectiva humanista na compreensão das condições clínicas estudas. Outra grande contribuição de Luria refere-se às inovações metodológicas propostas no exame clínico. Mas isso irei referir mais à frente noutro capítulo deste trabalho. O principal enfoque de Luria era a associação entre hemisfério dominante (esquerdo) e as afasias.
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