Natureza e Enquadramento Epistemológico da Neuropsicologia (VI)
(El Patron)
Nos anos 60, a neuropsicologia começa a questionar a dominância absoluta do hemisfério esquerdo para a linguagem, produzindo trabalhos em populações especiais, como canhotos, crianças e analfabetos. O foco passou então a ser a busca de factores biológicos (como dominância manual, desenvolvimento e sexo) e factores sociais (como aquisição de uma segunda língua, aquisição da escrita e tipo de escrita) que poderiam determinar a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem e, consequentemente, a organização cerebral das demais funções cognitivas.
Ainda na década de 60, surge outro conjunto de estudos que começa a surgir inspirado nos trabalhos sobre lateralização realizados por Myers e Sperry (1953) em animais com secção do corpo caloso. Dentre esses trabalhos destacam-se aqueles realizados por Gazzaniga, Bogen & Sperry, 1962, que mostram a especificidade funcional de cada hemisfério em pacientes comissurectomizados. Estes pacientes eram capazes de nomear a figura apresentada no campo visual direito – que seria processada pelo hemisfério esquerdo – mas não conseguiam dizer o nome quando a mesma figura era apresentada do outro lado e, portanto, processada pelo hemisfério direito. Juntamente com uma série de estudos tendo como alvo uma população normal foi possível levantar uma questão sobre assimetrias cerebrais, que posteriormente foi pesquisada.
Os resultados desses trabalhos foram vistos de modos diferentes. Um modelo estrutural propunha que o hemisfério esquerdo participa na linguagem enquanto que o direito nas funções visuais (Kimura, 1961). Em oposição surgem teorias que propunham a actuação dos dois hemisférios no mesmo processamento, mas com pesos diferentes. São os modelos de polaridade (Bradshaw & Nettleton, 1983). Por outro lado, Kinsbourn (1973, 1978) propôs que a assimetria hemisférica pode ser explicada por mecanismos de controlo atencionais: estímulos verbais activariam o hemisfério esquerdo enquanto que os viso-espaciais estimulariam o direito. Uma outra posição surgiria que as diferenças hemisféricas seriam quantitativas e não qualitativas, de forma que ambos os hemisférios teriam os mesmos recursos, mas com organização distinta. Sendo assim, uma organização mais eficiente do que a outra determinaria assimetria hemisférica para uma tarefa específica. Por exemplo, para Sergent (1982) o predomínio perceptual do hemisfério direito decorre do facto de que este hemisfério tem maior rapidez para o processamento visual inicial.Apesar da falta de consenso teórico, as funções cognitivas não linguísticas são novamente investigadas e valorizadas pela neuropsicologia. Outro aspecto importante a referir é a ligação da neuropsicologia à psicologia cognitiva. A partir da década de 1950 nos Estados Unidos, em oposição ao behaviorismo, desenvolve-se a psicologia cognitiva, com especial ênfase na teoria de processamento de informação. Em 1956, os trabalhos de George Miller sobre as limitações da capacidade do pensamento humano, especialmente sobre as limitações da memória a curto prazo, foram um marco influente no estudo dos processos e representações mentais (Thagard, 1998). Já em Massachusetts, John McCarthy e Marvin Minsky fundaram o primeiro laboratório de pesquisas de inteligência artificial. Os trabalhos de Pribram e de seus colaboradores tornaram-se conhecidos através do livro Planos e Estrutura do Comportamento (Miller, Galanter, & Pribem, 1960). Pribam alterou o conceito de organismo humano passivo e dependente da estimulação ambiental, defendido pelos behavioristas. Ele recolocou o organismo como uma estrutura de iniciativa das expectativas e da intenção. Os processos cerebrais e os processos psicológicos não foram descritos nem como idênticos nem como paralelos. Esses processos são integrados não por áreas de associações, como se acreditava, mas por padrões de sistemas intrínsecos divisíveis em áreas sensoriais específicas. Além disso, ele disse que as representações espaciais podem ser estudadas através de modelos holográficos. Holograma é um método utilizado para obtenção de imagens tridimensionais através de raios lazer. Estes estudos permitiram que Pribram reafirmasse o conceito de isoformismo da Gestalt. O encontro da neuropsicologia com a psicologia cognitiva, entretanto estava reservado à Inglaterra, a partir das publicações de Marshall e Newcombe (1973) sobre os distúrbios de escrita provocados por lesão cerebral. Logo após outras funções cognitivas foram estudadas através do paradigma do processamento de informação. Por exemplo, Warrington e Taylor (1978), Warrington e James (1986) e Parente e Tiedemann (1990) observaram que o processamento de uma imagem envolveria a participação do hemisfério direito na categorização processual (diferentes posições, por exemplo uma cadeira de lado), enquanto que a participação do esquerdo seria na categorização semântica (determinado tipo de imagem, por exemplo uma cadeira de praia). As relações entre as duas disciplinas são de carácter bidireccional. Se a psicologia cognitiva é capaz de prover modelos sobre funcionamento mental, então a neuropsicologia cognitiva possui a capacidade de testar a aplicabilidade desses modelos (Hécaen & Albert, 1978). Historicamente, essa verificação ocorreu primariamente em pacientes com lesões cerebrais. Por outro lado, as informações obtidas através do estudo de pacientes (ou grupos de pacientes) oferecem a oportunidade para que novos modelos teóricos sobre a cognição possam ser esboçados (Eysenck & Keane, 1994). Os modelos e técnicas neuropsicológicas humanas tornaram-se progressivamente sofisticados com o surgimento da neuropsicologia cognitiva como uma disciplina científica (Rao, 1996). A linguagem foi a disciplina mais amplamente estudada em neuropsicologia mas outros tópicos têm vindo a ser estudados, como: atenção, percepção visual e auditiva e memória. Influenciado pela bioquímica a neuropsicologia interessa-se pelos substratos orgânicos das emoções, reconsiderando funções de áreas sub-corticais e corticais e reanalisando as consequências de lesões pré-frontais (Damásio, 1996, Fuster, 1997).
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