Violencia presumida, relativa ou absoluta - Parte 2
(Fernanda Bitencourt Balas)
Violência Presumida, relativa ou absoluta - Parte 2
Tendo em vista considerações ora dispostas, juntadas à consciência de que a presunção de violência deve ser vista e utilizada com ressalvas, devido ao seu caráter, considerado relativo majoritariamente pelas doutrinas atuais, demonstra-se neste momento a relevância que deve ser prestada à questão da atualização da norma.
Por ser uma questão que exigem uma visão complexa e moderada, paira o seguinte questionamento: Será que mudanças sociais realmente têm força para descaracterizar uma presunção legal e transformar completamente o direção dos julgamentos a ponto de se "esquecer" o que está no texto da lei? E mais, será que podem contribuir para a impunidade de quem comete um crime sexual contra uma criança ou um adolescente?
O enigma consiste em se identificar se essa presunção é absoluta ou relativa, admitindo ou não prova em contrário.
Em discordância com posicionamento doutrinário mais recente,o entendimento tradicional, que aliás, edifica as bases Código Penal, diz ser absoluta a presunção, crendo portanto, que todo menor de 14 anos não possui discernimento suficiente para entender o caráter do ato sexual, e não tem capacidade para dissolver as conseqüências. Logo, para essa corrente, embora a vitima afirme exultante, que manteve a relação sexual de forma espontânea, terá havido crime.
Levando em consideração que o Código Penal brasileiro foi editado em 1940, é expressivo que os meios de comunicação juntamente com outros fatores, veiculam demasiadas informações a respeito de sexo, logo crianças e adolescentes que estão de certo modo mais frágeis a estas inserções de informações acabam imprimindo em seu comportamento o que recebem da programação exposta, essas mudanças acabam por caracterizar os crimes contra os costumes, revela-se imperativa a importância do questionamento dessa presunção de violência, sobretudo nos moldes como apresenta-se atualmente, baseada no critério objetivo idade.
Seguindo a corrente mais conservadora da presunção juris et de jure adquire ressonância na mais gabaritada Corte, que já reiterou decisões relativas à presunção do art. 224, a, do Código Penal, entendendo ser absoluta e plenamente constitucional. É isso o que se depreende dos seguintes julgados:
"O consentimento da vítima menor de 14 anos, para a conjunção carnal, e sua experiência anterior não elidem a presunção de violência, caracterizadora do estupro, pois a norma em questão visa, exatamente, a proteção da menor considerando-a incapaz de consentir, não se afastando tal presunção quando a ofendida aparenta idade superior em virtude de seu precoce desenvolvimento físico, ou quando o agente desconhece a idade da vítima" (STF – HC – Rel. Ilmar Galvão – j. 17.12.1996 – RT 741/566).
Presunção de violência – Vítima menor de 14 anos de idade – "Sequer elide a presunção de violência o alegado fato do consentimento da vítima quanto à relação sexual. A violência ficta, prevista no art. 224, letra a, do Código Penal, é absoluta e não relativa, conforme iterativa jurisprudência do STF. Habeas Corpus indeferido" (STF – 2ª T. – HC 72.265-5 – Rel. Néri da Silveira – j. 12.12.1997 – DJU 19. 11.1999, p. 54).
"O consentimento da menor de quatorze anos para a prática de relações sexuais e sua experiência anterior não afastam a presunção de violência para a caracterização do estupro" (STF – HC 74.580-6 – Rel. Ilmar Galvão – DJU 07.03.1997, p. 5.403).
Entretanto, a doutrina e a jurisprudência majoritárias já se inclinaram no sentido da relatividade da presunção do artigo 224, a, partindo de interpretações e critérios bem mais concreto que os explanados pela corrente conservadora. Prega DAMÁSIO DE JESUS[1] vem expressar seu ensinamento no sentido de que
"[...] a presunção de violência, no caso de a vítima não ser maior de catorze anos, é relativa, cedendo na hipótese de o agente incidir em erro quanto à idade desta, erro este plenamente justificável pelas circunstâncias.”
A virtuosa corrente que defende a relatividade da presunção (juris tantum), é incisiva ao afirma que não há na lei qualquer alusão com relação à natureza da presunção e, verificando-se que as alíneas seguintes perfazem um caráter de relatividade, através de uma interpretação sistemática, chegar-se-ia à conclusão de que a presunção contra o menor de 14 anos também seria relativa.
Investigou-se que no decorrer da elaboração do Projeto do Código Penal de 1940, a Comissão Revisora do Projeto Alcântra Machado retirou da norma do artigo 224 a expressão “não se admitindo prova em contrário”. Dessa maneira, dentro de uma hermenêutica histórica do dispositivo legal em questão, tem-se que o mesmo constitui uma presunção relativa, pois essa era a intenção do legislador. Ademais, uma lei não deve ser analisada isoladamente, mas em consonância com o explanado no conjunto do ordenamento jurídico. Apenas essa interpretação ampla pode assegurar a harmonia e eficiência disposto em lei.
Ademais, segundo tais doutrinadores, pesa a já referida opinião que, nos dias atuais, existem adolescentes com menos de quatorze anos que já têm conhecimento suficiente dos atos sexuais e de suas conseqüências. Logo, devendo admitir-se a relatividade da presunção, que deverá ir ao chão diante da vida sexual anterior da menor, quando ela tem autodeterminação sexual, ou quando ela, aparentando ter uma maior idade, consente na prática dos atos sexuais. Em suma, continuaria havendo a presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, mas, diante da inexistência de inocentia consilii por parte da ofendida, tal presunção cede para descaracterizar o crime.
[1] DE JESUS, Damásio E. Direito Penal. Parte Especial. 3º Volume. 12º Edição. Ed. Saraiva. São Paulo, 1998.
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