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O Cortiço
(Aluísio Azevedo)

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O Cortiço.
A menstruação de Pompinha: Uma psicanálise de 11 minutos.

Escrito por Aluísio de Azevedo, um ludovicense, nascido em 14 de abril de 1857, falecido em 21 de janeiro de 1913. Crítico impiedoso da sociedade e suas instituições, inicialmente começa escrever no estilo romântico, mas, sob influência de Eça de Queiroz e Emíle Zola, logo se ver dominado pelo naturalismo. Cortiço é considerado pela crítica especializado como sendo o seu melhor texto.

De tantas imagens e personagens pintados e contados por Aluísio, não há como dizer este é melhor que aquele.

Pompinha é uma personagem, jovem moça, que a menstruação demora chegar, motivo pelo qual gera expectativa em todos os moradores do Cortiço. A forma como o autor descreve o momento tão aguardado, é muito mais que uma justificativa do seu estilo literário, é uma verdadeira epopéia psicanalítica. Um sonho coloca Pompinha num universo das moças. E como diz Freud, “que o sonho é a realização de um desejo”[1]

Adormeceu.
Começou logo a sonhar que em derredor ia tudo se fazendo de uma cor-de-rosa, a princípio muito leve e transparente, depois mais carregado, e mais, e mais, até forma-se em torno dela uma floresta vermelha, cor de sangue, onde largos tinhorões rubros se agitavam lentamente. E viu-se nua, exposta ao céu, sob a tépida luz de um sol embriagador, que lhe batia de chapa sobre os seios.
Mas, pouco a pouco, seus olhos, posto que bem abertos, nada mais enxergavam do que uma grande claridade palpitante, onde o sol, feitor de uma só mancha reluzente, oscilava como um pêndulo fantástico.
Entretanto, notava que, em volta da sua nudeza aloirada pela luz, iam-se formando ondulantes camadas sanguíneas, que se agitavam, desprendendo aromas de flor. E, rodando o olhar, percebeu, cheia de encantos, que se achava deitada e entre pétalas gigantescas, no regaço de uma rosa interminável, em que seu corpo se atufava como em ninho de veludo carmesim, bordado de ouro, fofo, macio, trescalante e morno.
E suspirando, espreguiçou-se toda num enleio de volúpia ascética. Lá do alto o sol a fitava obstinadamente, enamorado das suas mimosas formas de menina.
Ela sorriu para ele, requebrando os olhos, e então o fogoso astro tremeu e agitou-se, e, desdobrando-se, abriu-se de par em par em duas asas e principiou a fremir, traído e perplexo. Mas de repente, lá de cima agitando as asas, e veio, enorme borboleta de fogo, adejar luxuriosamente em torno da imensa rosa, em cujo regaço a virgem permanecia com os peitos branqueados.
E a donzela, sempre que a borboleta se aproximava da rosa, sentia-se penetrar de um calor estranho, que lhe acendia, gota a gota, todo o seu sangue de moça.
E a borboleta, sem parar nunca, doidejava em todas as direções, ora fugindo rápido, ora se chegando lentamente, medrosa de tocar com as suas antenas de brasa a pele delicada e pura da menina.
Esta, delirante de desejos, ardia por ser alcançada e empinava o colo. Mas a borboleta fugia.
Um sofreguidão lúbrica, desensofrida, apoderou-se da moça; queria a todo custo que a borboleta pousasse nela, ao menos um instante, um só instante, e fechasse num rápido abraço dentro das suas asas ardentes. Mas a borboleta, sempre doida, não conseguia deter-se; mas se adiantava, fugia logo, irrequieta, desvairada de volúpia.
- Vem! Vem! Suplicava a donzela, apresentando o corpo. Pousa um instante em mim! Queima-me a carne no calor das tuas asas!
E a rosa, que tinha ao colo, é que tinha ao colo, é que parecia falar e não ela. De cada vez que a borboleta se avizinhava com as suas negaças, a flor arregaçava-se toda, dilatando as pétalas, abrindo o seu pistilo vermelho e ávido daquele contato com a luz.
- Não fujas! Não fujas! Pousa em um instante!
A borboleta não pousou; mas, num delírio, convulsa de amor, sacudiu as asas com mais ímpeto e uma nuvem de poeira dourada desprendeu-se sobre a rosa, fazendo a donzela soltar gemidos e suspiros, tonta de gosto sobre aquele eflúvio luminoso e fecundo.
Nisto, Pompinha soltou um ai formidável e despertou sobressaltada, levando logo arribas as mãos ao meio do corpo. E feliz, e cheia de susto ao mesmo tempo, a rir e a chorar, sentiu o grito da puberdade sair-lhe afinal das entranhas, em uma onda vermelha e quente.
A natureza sorriu-se comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas do meio-dia. O sol , vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira, um dos seus rios descia em fio de ouro sobre os ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo”.

O que temos, aqui? Uma psicanálise em 11 minutos! Um sonho que durou onze minutos. Um sonho que se faz no dormir a angústia de uma rapariga, e faz acordar o goza de uma mulher. O lirismo caleidoscópio que cerca o texto, nos remete à essência da linguagem, e assim, como diz Heidegger, “a linguagem é a casa do ser”, faz no revoar da borboleta, que teimosamente não pousa, não quer pousar, nascer a angústia desejante. E assim, no delírio, sob convulsões de amor, a borboleta provocante, que faz sacudir as asas num ímpeto que a mantém no ar, fazendo cair sobre a rapariga a nuvem de ouro que a faz ser mulher.





[1] Sigmund Freud. Interpretação dos Sonhos. Volume IV – Capítulo 2. SONHO DE 23-24 DE JULHO DE 1895.



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