As Velas Ardem Até Ao Fim
(Sándor Márai)
Um dos primeiros elementos que captam a nossa atenção num livro é o título. É o primeiro factor de sedução, pelo que a sua escolha, desde logo, emoldura o texto e cria um indicador de leitura que guia o leitor.
Em “ As velas ardem até ao fim”, pressupomos imediatamente estar em presença de um romance de dimensão espácio-temporal.
De facto, numa só noite e enquanto se consomem as velas narram-se 40 anos de vida dos personagens da obra. Movendo-se neste intervalo de tempo, o narrador revisita o passado e reescreve uma história de vida, descobrindo agora o que a primeira vivência omitiu, da vida de Henrik, Konrad e Krisztina.
Na juventude, dois jovens oficiais, Henrick e Konrad, conhecem-se e entre os dois desenvolve-se uma profunda amizade. Quando o primeiro, que há-de vir a ser general e está casado, convida o outro a visitá-los no seu castelo de caça, Konrad e a mulher de Henrick apaixonam-se. Henrick dá conta da história entre os dois e numa caçada ao veado, apercebe-se de que o amigo tentou matá-lo. Após o afastamento deste, Krisztina adoece e o marido afasta-se completamente dela, até à sua morte. Quarenta e um anos depois destes acontecimentos, o general, que entretanto se reformou e vive com a fiel governanta, quase uma mãe, convida o capitão Konrad, que entretanto viajou pelo Extremo Oriente e também se afastou do exército, a visitá-lo no castelo.
Assim, no velho castelo de caça na Hungria, onde outrora a aristocracia ouvia Chopin, os dois amigos recriam o enredo do triângulo amoroso vivido numa juventude dum mundo que desmoronou, no coração do império austro-húngaro, na viragem do séc. XIX para o séc. XX, num período convulsivo que termina com a desagregação do império e o desaparecimento do mundo e das regras que pautaram a vida dos personagens.
Estes dois homens, um rico de ascendência e o outro pobre tornam-se dependentes na sua existência. Separados por circunstâncias que agora se desvendam, unidos por um segredo calado durante 40 anos.
A obra é ao mesmo tempo um tratado de reflexão humana e sociológica. As dúvidas dos homens desvanecem-se, as memórias dos tempos esgotam-se no arder das velas.
Tudo anuncia o final de um ciclo. O diálogo, quase um monólogo, é um olhar sobre o passado, numa visão de um homem que olha para trás com a perspectiva serena que só o passar dos anos proporciona.
Não há recriminações nem insultos, apenas um reencontro sereno de dois seres humanos que não querem fechar o ciclo sem se reencontrarem. E este reencontro é, sobretudo, um tratado e uma reflexão sobre uma amizade que arde até ao fim, como as velas do velho castelo.
“Éramos amigos, não companheiros, compadres ou camaradas. Éramos amigos e não há nada na vida que possa compensar uma amizade. Nem mesmo uma paixão devoradora pode oferecer tanto prazer como uma amizade silenciosa e discreta proporciona aqueles que são tocados pela sua força”.
É, assim, uma história de relações humanas, maduras, em que se reconhece na pessoa que se escolheu para amigo os defeitos e se aceitam os mesmos, com todas as consequências. São dois sobreviventes do colapso da sociedade e do seu mundo interior.
E ao terminar de ler esta obra deste autor de excelência, vem-me à lembrança uma frase de um qualquer outro romance cujo título não recordo: “ há na vida do ser humano um tempo para tudo, há mesmo um tempo para que os tempos se tornem a encontrar”.
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