Mal-estar na atualidade e as novas formas de subjetivação
(Joel Birman)
No capítulo Dionísio Desencantado - A interdisciplinaridade em pauta, da obra Mal-estar na atualidade e as novas formas de subjetivação (Birman, Joel; Civilização Brasileira, 1999), trata-se da drogadição na estrutura psíquica perversa, ou seja, que não está atravessada pela frustração/castração. A interdisciplinaridade entrelaça a drogadição com o desencanto oferecido pela pós-modernidade entendida como a queda das ideologias, sem substituição.
O esvaziamento deste cenário combinado com a angústia de aniquilação provocada pelo desamparo em algum tipo de lei, inclusive a do desejo, reforçam o apelo à sedação, ao silenciamento da dor psíquica - seja pelo uso de drogas, álcool ou psicofármacos. Procura-se outro mundo em que a figura da mãe fálica (poderosa) garanta proteção e sedução, em contraponto à realidade da melancolia, que deriva do luto não realizado pela perda das ideologias, e a abissal tristeza decorrente disso.
Esta mãe pode ser a própria mãe ou a melhor amiga, a namorada, a esposa, a amante, enfim uma figura feminina fálica (ou a quem se atribui mais poder do que a si mesmo), que por isso tem o poder de acolher, amparar. Mas, também, de dominar, controlar, fazendo do drogadicto seu próprio falo. Sem o dependente, a mãe fálica perece. Daí, a necessidade de não quebrar o encantamento, mantendo o drogadicto dependente de si (mãe fálica simbólica), a própria droga.
"Assim, o sujeito busca ocupar permanentemente o lugar preferencial no campo do olhar materno, procurando se reproduzir no registro do seu eu ideal e da onipotência narcísica", diz Birman. E mais: "Nas toxicomanias, o sujeito se encontra capturado na oscilação sadomasoquista: mediante a ingestão da droga, instala-se na posição de ser o objeto ideal que preenche a falta materna (falo). Em contrapartida, o vazio revela o fracasso iminente dessa posição e a queda vertiginosa na experiência da morte, forma específica da angústia de castração como ameaça de aniquilamento que incide aqui".
O sujeito, neste caso, é capaz de morrer pela mãe. Ao impedir a queda da mãe fálica (ou da figura simbólica, como já foi mencionado) pelo sacrifício masoquista de seu próprio corpo, marcado pelas perfurações devastadoras e pelas disfunções mortíferas. Por isso, os cuidados na clínica psicanalítica para este tipo específico de psicopatologia, levando em conta sempre que antes do início do tratamento a temporada de abstinência do demandante tem que contar no mínimo um ano.
O psicanalista não pode fazer o papel de mãe. A ele é dado o lugar do pai enquanto símbolo da lei, da ordem ou, em última análise, da castração, pois o desafio ao poder simbólico é uma das marcas que perpassam essa modalidade de clínica. A castração ou a frustração tem função de realidade, ou seja, do enfrentamento do que o mundo oferece tal como é, e não como gostaríamos que fosse. A não frustração, não castração, sugere a fuga à fantasia de proteção e sedução facilmente alcançada pela drogadição ou na dependência de pessoas-droga (a mãe fálica).
Muito além da interdisciplinaridade (sociologia, antropologia, ciência política, narcotráfico etc.), me parece que a psicanálise esta mais preocupada em saber que mãe é esta a da atualidade, que por força das mudanças sociais torna-se cada vez mais a mãe fálica, que pode tudo, inclusive conceber seu rebento a partir de um banco de espermas, prescindindo da figura paterna para o filho. A probabilidade de que este filho estacionará em um processo simbiótico com a mãe é cada vez mais plausível, pois não há quem faça a separação.
Esta mãe-paraíso e poderosa, que se estende além-útero, no entanto, representa o próprio aprisionamento, a dependência do objeto (filho) à sua proteção e sedução, ainda que ilusórias e fantasmáticas, assim como se repete a cada episódio de drogadição toxicômana - aqui, trata-se de compulsão; e não a dos usuários, que é eventual -, para superar a dor psíquica por meio da fuga do princípio de realidade.
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