Ensaio sobre a cegueira
(José Saramago)
Saramago põe-nos num cenário de horror que, afinal de contas, não é mais real do que o Mundo em que vivemos, onde só alguns conseguem vêr de facto o que se passa. Uma epidemia avassaladora torna o Mundo cego e apenas uma mulher é penitenciada em manter a visão. Torna-se por isso quem guia e trata de um grupo de cegos e quem presencia toda a decadência humana, começando no poder que isola desumanamente todos os infectados (na História este processo repete-se desde a lepra e a peste negra, passando por isolamentos de carácter social, tão brutais como este). Quando o grupo é isolado à força, a sobrevivência torna-se a palavra de ordem, impondo-se com naturalidade a lei do mais forte que só é vencida pela resistência dos valores.
Porém, é na degradação humana que o livro mais impressiona, tudo o que nos acostumamos a fazer com um sentido, sem lhe dar importância, torna-se tão fundamental que leva a humanidade à ruptura numa viagem ao seu intimo, fazendo-a vêr o que nunca viu quando tinha olhos, mas sentindo profundamente por não os ter.
A mulher que escapa à epidemia da cegueira, presencia o horror da fome, da violação, da brutalidade, da falta de higiene, da incapacidade total e da perdição humana. Sendo a única com visão, não se torna rainha por uma questão de valores e por amor ao próximo. E por valores profundamente humanos foi capaz de matar pois não há maior desafio quando a vida, a nossa vida e a vida dos nossos está em jogo. Saramago pretende que nós façamos esse exercício, de imaginar uma situação em que o Mundo deixa de vêr como vê e passa a vêr de outra maneira, com uma testemunha que vê como dantes. Aí, os valores mudam, uma jovem pode gostar de um velho, pois a idade deixa de ser importante sem a visão, uma necessidade fisica passa a ser satisfeita sem o pudor habitual. Outras experiências, fazem-nos fazer perguntas e dar valor a coisas comuns da vida e a tirar valor a outras coisas que perdem importância.
Recordo, por analogia do tema, "Until the end of the world", um filme de Wim Wenders, em que a uma mulher cega durante sessenta anos é dada a oportunidade de vêr por instantes o Mundo que a rodeia. No final, ela conclui que não gostou da experiência, preferia a "visão" do Mundo que guardava desde pequena. Porque provavelmente viu melhor que ninguém este Mundo de cegos em que vivemos e somos.
No ensaio de Saramago é a Humanidade quem está cega.
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