Medo
(Carlos C. de Andrada)
MEDO O medo nos domina, nos sentimos tão escravos dele... É pior que uma droga ou bebida, porque não é um vício externo que se adquire, é algo que nasceu conosco e se desenvolveu com as situações, com o ambiente, se arraigou e agora é algo vergonhoso que não pode ser removido. É um sentimento que toma conta, tão irracional e violento que, quando percebemos, já estamos totalmente envoltos em tremedeiras, gaguejos e batimentos cardíacos acelerados. Não temos orgulho de admitir que temos medo e somos medrosos, mas devemos reconhecer esta realidade para poder, se não curá-la, ao menos conviver com essa espécie de maldição, desgraça diária que nos acompanhará durante toda vida, trazendo fatos e lembranças ruins. Não conseguimos controlar nem superar o medo, somos covardes. Achamos que o medo irracional vem de uma compreensão instintiva, no começo, de que seremos aniquilados. Depois dos momentos de pânico vem a análise de que não sobreviveríamos ou seríamos muito feridos numa briga ou confronto físico. Então nos damos conta de que na verdade, examinando os fatos ocorridos, o medo é um mecanismo de proteção e auto-preservação, embora vergonhoso e imoral. É a solução covarde: ficamos apavorados na hora de enfrentar outros sujeitos, nos submetemos e agüentamos as humilhações e patifarias impostas a nós por eles, guardamos rancor, esperamos o momento certo de nos vingar – covarde e anonimamente – e realizamos uma vingança, o troco, a retribuição da desonestidade e brutalidade na mesma moeda (ou pior). De um jeito ou de outro, o medo também traz preocupação e nervosismo, e o eterno dilema de consciência que nos causa dias e noites de insônia, um mal crônico que nos abate, desanima e, a longo prazo, nos corrompe, pois chega uma hora em que nos conformamos com nossa própria desgraça pessoal e conseguimos dormir um pouco. Apesar do medo, temos momentos bons na vida, onde aparecem sentimentos honrados, como amor, alegria, carinho, compaixão e felicidade. Entretanto, o medo sempre prevalece como nosso sentimento mais forte e primitivo, nossa sensação primordial mais potente, muitas vezes acompanhado do ódio. Não é verdade o que muitos disseram, que o covarde e medroso “morre mil vezes”. É muito pior: um amedrontado e assustado compulsivo morre todos os dias, várias vezes, desde quando acorda até o momento de adormecer, nas diversas situações em que afrouxa e fraqueja. E mesmo durante o sono, os sonhos do medroso são ruins, são pesadelos em que seus medos e os acontecimentos nos quais o pavor se manifestou são relembrados e repisados, como uma lembrança persecutória e macabra, como castigo e punição por não termos conseguido enfrentar nossos inimigos e dificuldades cotidianas. Não nos vangloriamos de ter medo, tampouco queremos que pareça engraçado ou honroso ter medo, todavia somos o que somos, não negamos e admitimos esta espécie de maldição terrível. Talvez seja até mesmo um desabafo, justamente para que outros, os corajosos e valentes, entendam e percebam como é ruim sentirmos medo. Não estamos satisfeitos, ao contrário, nos enoja ter e precisar reconhecer o medo interno, como uma doença impura, uma demência maligna que está enraizada, misturada a nosso ser, sem poder ser separada nem neutralizada, uma chaga com a qual temos que viver. É uma porcaria, na verdade é uma bosta vivermos com medo, nunca podermos nos impor e fazer o certo, praticar as coisas corretamente, sempre termos de ser rebaixados, desclassificados, desrespeitados e injustiçados e ver patifes e salafrários que não têm caráter nenhum – contudo possuem alguma coragem – escapar impunes, ilesos e sem castigo das falcatruas, pilantragens e golpes. No entanto, que podemos exigir ou reivindicar? Somos tão asquerosos quanto qualquer cretino que comete fraudes, roubos e assaltos. Somos até pior, porque não conseguimos deter e impedir esses camaradas, e não suportamos pensar nessa idéia, de não conseguirmos ir à justiça, levar até o final uma causa que merece ser defendida. Não achamos nem um pouco divertido ou excitante ter medo, nos achamos fracassados, desastres anunciados, catástrofes ambulantes. E temos, sim, pena de nós mesmos. É ridículo e é a realidade pura e simples, sem rodeios. Pelo menos dizemos, em nossa débil defesa, que não tentamos nos afastar nem ficar fora da realidade da vida. Ainda nos defendendo ou tentando nos explicar – dane-se – nos auto-classificamos como os mais medrosos e covardes dos corajosos, pois aproveitamos as chances que nos aparecem, tentamos usufruir das coisas e pessoas boas que aparecem a nossa frente, vindos do céu, do paraíso ou simplesmente da primeira esquina da sorte onde conseguimos nos enfiar.
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