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Omeros - Épica do Caribe?
(Derek Walcott)

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Omeros, um poema de 7549 versos, predominantemente em terza rima, deu status mundial ao poeta caribenho (Santa Lúcia) Derek Walcott, com a outorga do prêmio Nobel de Literatura de 1992. Nesta modesta análise, tomo essa obra como exemplar de uma outrização produtiva – conceito-atitude que serve de contraponto ao processo pejorativo e hierarquizante de outrização e silenciamento do subalterno colonial (sobre outrização produtiva, ver link abaixo). Também abordo criticamente o aceito caráter épico dessa obra. Com a postura metodológica do campo dos estudos culturais pós-coloniais, Omeros (Companhia das Letras, 1994, 304 p.) é um espaço discursivo no qual problematizam-se, dentre outros aspectos, as noções de cânone e de déficit cultural, as dicotomias centro/periferia e civilizado/primitivo, especialmente no contexto caribenho, bem como o papel do inglês como língua de poder e como língua literária, em um contexto mundial. Com o intuito de reimaginar as vidas e vozes do povo do Caribe através da mitologia e da épica gregas, Walcott constrói pontes entre o Velho e o Novo Mundo, sem ser anacrônico. Trata-se, em linhas gerais, da descrição da jornada ancestral spiritual de seu protagonista negro, Aquiles, em seu ciúme de Helen, a mais bela negra da ilha, dentre outras histórias que dialogam com as heranças europeias, africanas e nativas das Américas. Inclui traços autobigráficos condizentes com grande parte das obras escritas no âmbito da literatura pós-colonial. Em que pese ser a historiografia tradicional do Caribe aquela que informa sobre uma divisão conflituosa profunda entre povos e raças – divisão que é de certa forma negada pela constatada multiplicidade e miscigenação das manifestações culturais locais –, em Omeros, Walcott buscou entrelaçar símbolos e mitos intertextualmente em histórias e traços tanto no nível temático quanto estilístico. Aí reside o que chamo de atitude de outrização produtiva: contraponto a “outrização”, pois se propõe uma abordagem semi-utópica de ressignificação da memória silenciada diante das relações de trocas simbólicas correntes entre culturas diversas, num mundo que se consolida como globalizado. Em tempo, “outrização” é o termo delineado por Gayatri Spivak (1985) para se referir aos processos pejorativos e hierárquicos da representação do ‘outro’ subalterno pelo colonizador, excluindo esse outro dos limites de uma humanidade europeia. Desse modo, como exemplar de uma outrização produtiva, há que se fazer uma última colocação referente ao largamente aceito caráter de “épica” para caracterizar o gênero dessa obra de Derek Walcott. Cabe colocar Omeros à prova do epos, ou seja, retirar seu rótulo fixo de ‘epopéia’, deixando essa marca como apenas uma das muitas constitutivas de sua carnalidade híbrida. Senão, vejamos quais das três principais características do epos, como apresentadas por Mikhail Bakhtin, se encontram em Omeros. O primeiro traço de epopéia é o que aponta para o passado nacional glorioso, o “passado absoluto”, o que não se encontra na obra sob análise, pois, ao contrário, o passado em aí não é o objeto central, e é muitas vezes referido ironicamente, a ironia sendo uma grande marca da romancização do mundo: “Quem vai nos ensinar uma história da qual também somos capazes? / A Torre do Sangue, vista de um ônibus vermelho de dois andares” (Omeros, XXXVIII, iii). O segundo traço importante da épica é o de que a lenda nacional (e não a experiência pessoal transformada à base da pura invenção) atua como fonte da epopéia, mas a fonte de Omeros não é unitária, uma delas sendo o próprio escritor, como um dos narradores, que se coloca, sim, à ‘base de invenção’, como nos tantos versos autobiográficos do poema: “Vi a janelinha junto da qual dormíamos quando garotos... / Que perto estava o telhado! O calor das folhas-de-flandres. / No quarto de minha mãe uma escrivania, não aquela cama, iluminada de sol ” (Omeros, XII, i). Quanto ao terceiro e último traço épico aqui abordado – a distância temporal do épico em relação ao presente –, a contemporaneidade está sensualmente/sexualmente apresentada em Omeros no ambiente dos encontros entre nativos de Santa Lúcia e os turistas e nos vários temas e formas que lidam com o cotidiano do povo da ilha, dentre outros. A este respeito, o Homero que comparece nesse poema é um homem comum, no que têm de comum os andarilhos, os maltrapilhos e os bêbados que ‘formigam’ nos centros urbanos do presente. Portanto, Omeros se constitui um epos-romance, para utilizar mais uma vez a terminologia bakhtiniana, uma hibridação radical nos níveis formais e temáticos, numa apropriação ressignificadora do que é chamado “a maquinaria de fora conhecida como Literatura” (Omeros, XII, i), ou seja, uma engrenagem forasteira que é assimilada criativamente de uma forma renovada e, de certa forma, reinventada em outrização produtiva.



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