O prisioneiro da grade de Ferro
()
O filme O prisioneiro da grade de ferro – auto retratos (2003) é fruto de uma espécie de oficina que o documentarista Paulo Sacramento e sua equipe realizaram na Casa de Detenção do Carandiru, em 2001, no ano anterior da implosão do presídio. Alguns dos detentos aprenderam a usar o material de filmagem e foram selecionados para fazer o registro de suas próprias realidades, caracterizando os auto retratos aos quais o subtítulo do filme faz referência.
O filme começa e uma imagem indefinida de um tom amarelo esfumaçante toma conta da tela. Informações sobre o histórico recente do presídio do Carandiru, como o famigerado massacre de 1992 que acabou com a vida de 111 presos, nos são apresentadas enquanto a imagem no fundo vai se tornando, paulatinamente, inteligível. Tomamos consciência, finalmente, de que a cena está correndo no sentido inverso e, no meio de uma cortina de fumaça amarela e branca já podemos começar a ver os pavilhões do presídio sendo reconstruídos após sua implosão ao contrário. Esta curiosa cena nada tem de inocente, ela revela uma intenção do diretor que poderá ser notada também em outras cenas do filme. A intenção de que a história do presídio e seus de seus prisioneiros seja recontada, para que uma outra verdade, desta vez a dos próprios prisioneiros, venha a tona a partir do presídio que ressurgiu da poeira. A montagem em questão devolve a existência aos prisioneiros do presídio implodido.
As referidas informações que nos são passadas no início do filme, conceituando o filme historicamente e posicionando o expectador no tempo, dá uma certa impressão de didatismo, o que aproximaria o documentário daquele que Nichols chamou de modo expositivo que “(...) dirige-se ao expectador diretamente, com legendas ou vozes que propõem uma perspectiva, expõem um argumento ou recontam a história (...)” (Nichols). No entanto, com o desenrolar do filme, não demoramos muito para perceber que o foco não está “numa lógica informativa” em que “as imagens desempenham papel secundário” (Nichols), típico deste mesmo modo expositivo.
Assim, O Prisioneiro parece conter muito mais elementos do modo observativo de documentário, haja vista a preocupação em se observar as coisas conforme elas acontecem, como os presos enrolando cigarros de maconha e conversando entre si ou, em alguns momentos, quando a câmera focaliza as pequenas janelas das celas “solitárias”, como a espiar pelo buraco da fechadura. Não existe, ao menos não explicitamente, uma intervenção do cineasta. Vale lembrar, entretanto, que o diretor nunca será completamente isento. Seu trabalho se fará presente, se não na filmagem propriamente dita, na edição ou na montagem das cenas.
Se já foi possível saber quais são os grupos sociais que estão em conflito ao longo do filme bem como seu desafio, resta saber qual é o posicionamento do diretor ou a imagem que ele quer que tenhamos dos presos. Esta pode ser percebida pela maneira como ele encaixa as cenas do filme, sobretudo ao intercalar cenas de maus tratos aos presos com cenas que mostram os presos agindo de maneira bem vistas socialmente, tais como praticando esportes, realizando atividades artísticas, trabalhando, estudando, etc. Este procedimento é o que Bazin chama de utilização “invisível” da montagem, quando “(...) os cortes dos planos não tem outro objetivo que o de analisar o acontecimento segundo a lógica matemática ou dramática da cena. (...) o espírito do expectador adota naturalmente os pontos de vista que o diretor lhe propõe (...)” (Bazin).
As cenas seguintes ilustram bem isso: em uma primeira sequência de planos, podemos observar os detentos comportadamente estudando química, depois a câmera passeia por lombadas de livros. Para completar, a paródia que um dos presos faz ao violão, sobre sua situação como detento, é posta como fundo musical da sequencia. A cena seguinte, por sua vez, mostra a distribuição de comida entre as celas, quando os marmitex são distribuídos de uma forma que nos parece como truculenta ou até mesmo como uma crueldade e uma falta de humanidade desproporcional por parte dos funcionários do complexo carcerário. Esta sensação de desumanidade que esta cena causa ao expectador, pode ser explicada pelo fato de estar esta inserida logo após a cena em que os detentos nos são apresentados de maneira positiva, como pessoas que não merecem ser tratadas de maneira tão rude. Esta sensação é ainda reforçada pela cena que vem a seguir, a de um dos detentos trabalhando como protético, fazendo a cena da distribuição de comida mais incabível ainda.
Tudo isso nos remete ao que diz Marleu-Ponty, que “(...) o sentido de uma imagem depende, então, daquelas que a precedem no correr do filme, e a sucessão delas cria uma nova realidade, não equivalente à simples adição dos elementos empregados (...)” (Merleau-Ponty). Se a cena da distribuição de comida tivesse sido inserida, por exemplo, entre cenas de maus comportamentos dos presos e de uma rebelião, a violência destinada aos detentos nos pareceria bem mais aceitável e justificada.
O que nos fica com o clima de festa que a inauguração de mais uma penitenciária deixa transparecer é de que o modelo de prisão vigente é bem visto pelas autoridades e que provavelmente irá permanecer por mais tempo, haja vista o orgulho que o governador mostrou sentir com o recorde de vagas nas cadeias em seu governo.
Resumos Relacionados
- Ensaio Sobre A Cegueira
- Sistema Carcerário - Perfil Dos Presos Do Carandiru
- Www.infonet.com.br
- Dejavu
- Tropa De Elite
|
|