Elementos COMPARATIVOS SOBRE A SEDUÇÃO EM EÇA E MACHADO
(Márcia Elizabeti Machado de Lima)
ELEMENTOS COMPARATIVOS SOBRE A SEDUÇÃO EM EÇA E MACHADO
Propomo-nos a analisar, nesse texto, as similaridades e diferenças referentes à temática da sedução, em No Moinho, de Eça de Queirós e Missa do Galo, de Machado de Assis.
Para efeito de contextualização, temos do lado brasileiro, o carioca Machado de Assis, nascido em 1839, num Brasil que vive sob o domínio do Império. Até a data de sua morte, em 1908, Machado testemunha, vive e sente profundas transformações: a queda do Império, o surgimento da República, o fim da escravidão,... .
Do lado de lá, nasce o português Eça de Queirós, em 1845, em Póvoa de Varzim, Norte de Portugal. País que num contexto europeu que começa a viver aceleradamente o futuro, parece ancorado no passado, sem o fulgor e o brilho de Londres e Paris. É sob o impacto desse mundo decadente, atrasado, provinciano, que vai se desenvolver a escrita de Eça.
A literatura, aqui e além-mar, começa a alterar o seu perfil, substituindo a leitura-lazer pela leitura-denúncia. O amor espiritual e metafísico pela descoberta do sexo, de sua patologia, de seus desajustes. Era a virada do Romantismo para o Realismo.
À luz do que foi dito, poderia se supor que as obras de machado e Eça, da fase realista, tivessem apenas pontos convergentes. No entanto, o que nos propomos a mostrar, é que mesmo explorando uma temática comum - a sedução - percebemos divergências, que caracterizamos como de fundo ideológico.
Comecemos pelo conto de Eça, em que o título No Moinho nos remete ao espaço onde culminaria com um beijo a cena da sedução de Maria da Piedade, mãe e esposa dedicada aos cuidados dos filhos e marido doentes. Caracterizada como Santa - tal qual Dona Conceição de Missa do Galo - Piedade é comparada à Virgem Maria, a uma fada , totalmente devotada à família.
A paz familiar é quebrada com a chegada de Adrião, o primo romancista que entendia de mulher e de sedução. Em João Coutinho (marido de Piedade), Adrião já exercera a sedução pelo sucesso e fama. Mas, surpreendentemente, para tristeza Coutinho, o primo recusa a hospedagem em sua casa. Hospeda-se numa estalagem de onde podia deliciar-se com o que o narrador chama de idílio da vila, e Adrião diz ser um quadrozinho delicioso. Todas essas expressões são seguidas de reticências, o que entendemos ser o silêncio que revela a preparação do evento, ou a insinuação irônica, tão típica de Eça. Vale ressaltar que os elementos formadores do espaço idílico - o verde, o moinho, a represa - vistos da janela de Adrião, contrastam com a visão que Piedade tem pela sua janela. .
Movido pelo desejo do novo, com o cenário idílico arranjado fora do espaço institucional da vila e do universo familiar, constatamos que Adrião é bem sucedido na empreitada da sedução, especialmente pelo poder da palavra. Como forte crítica ao Romantismo, o narrador enfatiza que "insensivelmente, ele começou a falar-lhe baixo ..." (47), a apresentar-lhe a perspectiva de um mundo fantasioso, onde a felicidade era certa, tudo seria perfeito. No entanto, depois do beijo, ao qual Piedade não oferece resistência, ele a solta, voltando a vê-la à noite para despedir-se e partir. Partiu e tudo se desfez.
Começa então, a descida de Piedade: apaixonara-se pelo que havia sido despertado em si - o sonho de "outras existências possíveis" - e entrega-se, então, à fantasia do amor romântico, vivido pelas heroínas dos romances que lia continuadamente. Paradoxalmente, esse amor romântico vai despertar-lhe a necessidade física da realização dos desejos, inicialmente despertados pelo beijo, que até então, fora a única materialização do amor que ela experimentara. Numa gradação que culmina com a Santa tornando-se Vênus, retratando fortemente a tendência do século XIX, de encarar o desejo feminino como causador de histeria: "Estava uma histérica". Consequentemente, "bastaria que um homem lhe tocasse, para ela lhe cair nos braços." (49)
Finalmente, rompe-se de vez o equilíbrio, e Piedade entrega-se ao praticante da botica, perdendo de vez o bom senso, abandonando os cuidados do lar, escandalizando toda a vila pela "transgressão de um interdito de ordem sexual." (Op. cit: 51).
Passando de Missa do Galo, com narrativa em primeira pessoa, as linhas iniciais são decisivas para o desenrolar da trama e para os rumos de uma análise. A sedução, agora, centra-se na figura feminina de Dona Conceição - a esposa mal-amada - e Nogueira, o adolescente, leitor de Os Três Mosqueteiros, romance de aventuras - revelando o perfil psicológico do personagem - que recebe o efeito de parcelas de sedução, através de pequenos gestos de Conceição.
Em Machado a sedução se mostra muito mais por sugestões do que por fatos. Por exemplo, o quadro de Cleópatra a enfeitar a parede da sala. Sabemos que a rainha Cleópatra reinou sobre o Egito vinte e um anos, conquistando Júlio César - como a denotar o poder de sedução, exercido por Dona Conceição sobre o rapaz.
Conforme anunciamos, sobre a existência de convergências e divergências entre Eça e Machado, compete-nos dizer que a nosso ver, a principal diferença, além do fato de em Machado o sujeito desencadeador da sedução ser a mulher, é que o escritor trata a sedução como algo natural, parte da vida. Portanto, não resultante na degradação moral dos personagens. Mesmo que termine o conto insinuando a prática do adultério por Conceição, antes da viuvez, já que se casou novamente com alguém que pertencia ao convívio da família.
Resumos Relacionados
- Missa Do Galo
- Missa Do Galo
- Missa Do Galo
- Missa Do Galo
- Missa Do Galo
|
|