Sôroco, sua mãe, sua filha (Conto)
(Guimarães Rosa)
Mãe e filha eram loucas. Sorôco tentou mante-las ao seu lado, mas não foi possível. Teve que tomar a decisão mais difícil de sua vida: interná-las. O governo mandaria o trem para levá-las para Barbacena, para longe e para sempre. O trem do sertão passava às 12h45m e o homem devia levá-las à estação.
Sorôco seguiu para a estação com ambas, uma de cada lado, “parecia entrada em igreja, num casório.” O povo, curioso, esperava, protegendo-se do sol. De repente alguém avisa que os três se aproximam. Ele vestindo sua melhor roupa para a despedida, que a população acompanhava com pesar. Todos diziam a ele palavras que tentavam consolá-lo ao que ele, humilde, respondia: - "Deus vos pague essa despesa..." Havia um clima de compreensão no ar. Não havia quem não entendesse a atitude de Sorôco, não havia outro jeito. Mas todos pensavam que a partida delas seria bom para ele, visto não haver cura para a doença e também por elas terem piorado muito nos últimos 2 anos.
Logo que o trem encosta na estação, a filha de Sorôco começa a cantar uma cantiga que ninguém entende. A mãe também começa a cantar a cantiga entoada pela moça. Assim são alojadas dentro do trem, ainda cantando. O canto ecoa longe. Sorôco não espera o trem desaparecer de vez, nem olha, fica de chapéu na mão calado. Nesse instante não há por ali quem não goste demais daquele homem.
Todos os presentes condoeram-se da imensa dor do homem. Entretanto, Sorôco, num rompante, desata a cantar. Claro, forte, mas sozinho para si – e era a mesma canção, de desatino, que as duas tanto tinham cantado. E eis que todos, de uma vez, com dó de Sorôco, principiaram também a acompanhar aquele canto sem razão. E com vozes altas, levaram Sorôco para a casa dele, ainda cantando. Todo o povo cantava.
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