A pele que habito (La piel que habito)
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Se pudesse, Richard Legard (Antonio Banderas) trocaria a pele de todo o mundo, para não ter que ver além da dele. Ou melhor, a que não é a dele, e sim a que ele se obriga a habitar. É o que parece nos 133 minutos de “A pele que habito”, dirigido pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar, com base no suspense de Thierry Janquet.
A história se passa em Toledo, Espanha. E o fio condutor são as queimaduras de último grau (atinge várias camadas da pele) sofridas pela esposa de Legard, em um carro acidentado e em companhia do cunhado. Estavam traindo o cirurgião plástico.
Legard divide-se entre a cabeceira da cama da esposa e o início de pesquisas para dar uma nova pele à mulher. Porém, um dia a esposa percebe-se totalmente deformada ao mirar-se, por acaso, no vidro de uma janela. Atira-se e morre. A filha, que presencia o suicídio da mãe deformada, surta e é internada em hospital psiquiátrico.
O recorte da história serve apenas para ilustrar um pouco da trama que levará Legard a uma corrida desenfreada para reconstituir a mulher, mesmo no corpo de um outro. E é aí que talvez entre em discussão a sexualidade do médico.
Parece que muito menos pela traição da mulher e mais pela própria homossexualidade enrustida, o cirurgião transforma um homem em mulher, a sua mulher. Como se dissesse, até posso ter relações sexuais com um homem desde que este homem encarne uma mulher. Seu irmão estupra a transexual e, desta vez, ao invés da conivência que antes tivera com o marido traído, recebe tiros fatais. Ou seja, a traição com a mulher é tolerada, a do transexual, não. Por outro lado, é o médico quem depois sugere sexo anal com o transexual forjado por seus bisturis e invenções de pele – macia e com outras características femininas.
Almodóvar expõe a hipocrisia corrente que leva homens a se casarem e traírem a esposa com outros homens, ou aqueles que se descobrem homossexuais após o casamento, mas não se assumem nem saem da relação e traem até que a morte os separe - da mentira que é a sua vida. Não deixa de ser outras peles que cada um habita, sem jamais assumir a própria pele.
O irmão traidor colocou à prova a masculinidade de Legard. A mãe, cúmplice do filho médico, odiava o outro filho, um assaltante, longe da genialidade do médico. Este foi criado por pais adotivos de quem a mãe (Marisa Paredes) era empregada doméstica, e o patrão o pai biológico.
Interessante também é que o rapaz transformado na imagem e semelhança da ex-esposa é aquele que tentou fazer sexo com a filha. Revela o desejo do pai em ter relações com um suposto futuro genro? Por que não elegeu outro, em especial alguém que se propusesse a mudar de sexo? A filha, no hospício, repele a aproximação do pai, o que é explicado pelo psiquiatra como aversão ao estuprador (o pai no lugar do estuprador).
Fica a impressão inclusive de que o sexo com uma mulher (a ex-esposa) estava proibido, e daí a cumplicidade para com a traição - lembrando, ele se devota a cuidar da esposa acamada. O relacionamento sexual de Legard só poderia ser com um homem, ainda que disfarçadamente sob a pele de uma mulher. Ou seja, para realizar seu desejo secreto (sou um homem que gosta de homens), Legard muda a pele que o outro habita, para não ter que transformar a sua - imagem perante os outros.
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