Resumo de O contador de histórias

O humor é tão sutil que quase não se deixa perceber. Só mesmo leitores mais experientes o vislumbram. Isso porque ele é daquele tipo de humor ácido, presente na ironia. E criança não tem muita intimidade ou com esse tipo de crítica dos costumes. Por isso quando uma delas se demora na leitura de um dos contos de Saki, o que neles conquistam-na não é tanto a crítica da sociedade em que ele viveu e ainda tão presente na nossa, restos de cemitérios, (como os de Drummond, no seu conto sobre o fim do mundo ou os mortos vivos que nunca descansam do livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo), mas o fato de se reconhecer neles, de ter um porta-voz nos seus escritos. Criança não tem malícia? Isso depende do meio e com quem vive... mas deixemos esse assunto para depois. Agora, quanto ao fato de que logo, logo, assim que ultrapassam os nove, dez anos vão percebendo que as coisas não são como lhe contam, que nem todo adulto é honesto ou bom, de que o mundo é cruel e injusto, de que há poucos com muito e muitos com pouco, não resta dúvida. E aquelas que têm a sorte de ter em mãos a edição do Contador de histórias, publicada pela SM, um belíssimo trabalho de ilustração de Alba Marina Rivera acabam por se render ainda mais ao estilo de escrita do autor inglês, existente nos mais de duzentos contos que escreveu, nos quais foi desnudando a sociedade pseudo-honrada da qual fazia parte. Como o menino do conto de Andersen A roupa nova do imperador, ele vai desmascarando um a um os valores propalados nos muitos contos escritos para crianças da época, mais voltados para a veiculação de moral ( pseudodidáticos) do que para a arte que é a verdadeira escrita.Não que a escrita e a Arte não devam se ocupar dos ideias de homem e de sociedade que permeiam a mente e os corações de tantos sobre a Terra, mas é digno de crítica, submeter a escrita ao papel doutrinário de pregar valores que tão poucos buscam pôr em prática. E criança percebe isso tudo. Fica a pergunta: se os adultos fossem mais íntegros, não mentissem, não sonegassem impostos, não fossem violentos, egoístas e avaros, haveria tanta rebeldia entre os jovens? Deve ter sido por isso que o autor fez tanto sucesso em sua época. Pela denúncia e pela coragem de expô-la. Mas a denúncia também os bons jornais o fazem com esmero. Por essa razão, não é a crítica e o humor dos contos de Saki que os fizeram clássicos, mas também o saber escrever. Ele sabe escrever. O texto é leve, de palavras simples, de uma certa poesia e de uma aura muito semelhantes aos bons contos de fadas. O que os difere destes é que o desfecho e a mensagem - porque não há texto sem mensagem - são bem diferentes dos contos de fadas mais conhecidos. Como muitos dos contos esquecidos, e isso não é por acaso, os contos de Saki deixam claro `as crianças que os leem que coisas ruins também acontecem às pessoas boas. Que a disciplina por agradar aos adultos ou seus preceitos não garante uma vida feliz e livre de infortúnio. Neste aspecto, a escrita desse autor é também um alerta aos religiosos que pensam que se livres de pecado, protegidos de todo mal. A lógica não é verdadeira.Quando se decide por expor uma verdade até então velada, Saki se assemelha a Charles Dickens, também inglês e também a Monteiro Lobato e Machado de Assis. O seu sucesso entre as crianças inglesas se deve ao fato dele ter-se tornado porta-voz delas, pois quando foi que criança teve voz senão depois de meados do século XX? E desde que mundo é mundo, a humanidade, não importando mulher, homem,velho e criança sempre buscou por alguém que os defendesse, que lhe desse voz ou fosse a sua voz.A apresentação do livro editado pela SM, traduzido por Marcos Bagno, com uma espécie de sobre capa também ilustrada, da qual se retira e se guarda o livro depois de lê-lo, também é uma obra de arte à parte. E criança adora arte. Muito boa leitura..

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