Inferno
(Gil Vicente)
O "Auto da Barca do Inferno"representa o juízo final católico de formasatírica e com forte apelo moral. O cenário éuma espécie de porto, onde se encontramduas barcas: uma com destino ao inferno,comandada pelo diabo, e a outra, com destinoao paraíso, comandada por um anjo. Ambos oscomandantes aguardam os mortos, que são asalmas que seguirão ao paraíso ou ao inferno.Chegam os mortosOs mortos começam a chegar. Um fidalgo é o primeiro. Ele representa anobreza, e é condenado ao inferno por seus pecados, tirania e luxúria. O diabo ordena ao fidalgo que embarque. Este, arrogante, julga-semerecedor do paraíso, pois deixou muita gente rezando por ele. Recusadopelo anjo, encaminha-se, frustrado, para a barca do inferno; mas tentaconvencer o diabo a deixá-lo a rever sua amada, pois esta "sente muito"sua falta. O diabo destrói seu argumento, afirmando que ela o estavaenganando.Um agiota chega a seguir. Ele também é condenado ao inferno porganância e avareza. Tenta convencer o anjo a ir para o céu, mas nãoconsegue. Também pede ao diabo que o deixe voltar para pegar a riquezaque acumulou, mas é impedido e acaba na barca do inferno.O terceiro indivíduo a chegar é o parvo (um tolo, ingênuo). O diabo tentaconvencê-lo a entrar na barca do inferno; quando o parvo descobre qual éo destino dela, vai falar com o anjo. Este, agraciando-o por sua humildade,permite-lhe entrar na barca do céu.O frade e a alcoviteiraA alma seguinte é a de um sapateiro, com todos os seus instrumentos detrabalho. Durante sua vida enganou muitas pessoas, e tenta enganartambém o diabo.Como não consegue, recorre ao anjo, que o condenacomo alguém que roubou do povo.O frade é o quinto a chegar... com sua amante. Chega cantarolando.Sente-se ofendido quando o diabo o convida a entrar na barca do inferno,pois, sendo representante religioso, crê que teria perdão. Foi, porém,condenado ao inferno por falso moralismo religioso.Brísida Vaz, feiticeira e alcoviteira, é recebida pelo diabo, que lhe diz queseu o maior bem são "seiscentos virgos postiços". Virgo é hímen,representa a virgindade. Compreendemos que essa mulher prostituiumuitas meninas virgens, e "postiço" nos faz acreditar que enganaraseiscentos homens, dizendo que tais meninas eram virgens. Brísida Vaztenta convencer o anjo a levá-la na barca do céu inutilmente. Ela écondenada por prostituição e feitiçaria.De judeus e "cristãos novos"A seguir, é a vez do judeu, que chega acompanhado por um bode.Encaminha-se direto ao diabo, pedindo para embarcar, mas até o diaborecusa-se a levá-lo. Ele tenta subornar o diabo, porém este, com adesculpa de não transportar bodes, o aconselha a procurar outra barca. Ojudeu fala então com o anjo, porém não consegue aproximar-se dele: éimpedido, acusado de não aceitar o cristianismo. Por fim, o diabo aceitalevar o judeu e seu bode, mas não dentro de sua barca, e, sim, rebocados.Tal trecho faz-nos pensar em preconceito anti-semita do autor, porém,para entendermos por que Gil Vicente deu tal tratamento a essepersonagem, precisamos contextualizar a época em que o auto foi escrito.Durante o reinado de dom Manuel, de 1495-1521, muitos judeus foramexpulsos de Portugal, e os que ficaram, tiveram que se converter aocristianismo, sendo perseguidos e chamados de "cristãos novos". Ou seja,Gil Vicente segue, nesta obra, o espírito da época. Representantes do judiciário. O corregedor e o procurador, representantes do judiciário, chegam, aseguir, trazendo livros e processos. Quando convidados pelo diabo paraembarcarem, começam a tecer suas defesas e encaminham-se ao anjo.Na barca do céu, o anjo os impede de entrar: são condenados à barca doinferno por manipularem a justiça em benefício próprio. Ambos farãocompanhia à Brísida Vaz, revelando certa familiaridade com a cafetina - oque nos faz crer em trocas de serviços entre eles e ela...O próximo a chegar é o enforcado, que acredita ter perdão para seuspecados, pois em vida foi julgado e enforcado. Mas também é condenadoa ir ao inferno por corrupção.Por fim, chegam à barca quatro cavaleiros que lutaram e morreramdefendendo o cristianismo. Estes são recebidos pelo anjo e perdoadosimediatamente.O bem e o mal como você percebeu, todos os personagens que têm como destino oinferno possuem algumas características comuns, chegam trazendoconsigo objetos terrenos, representando seu apego à vida; por isso,tentam voltar. E os personagens a quem se oferece o céu são cristãos epuros. Você pode perceber que o mundo aqui ironizado pelo autor émaniqueísta: o bem e o mal; o bom e o ruim são metades de um mundomoral simplificado.O "Auto da Barca do Inferno" faz parte de uma trilogia (Autos da Barca "daGlória", "do Inferno" e "do Purgatório"). Escrito em versos de sete sílabaspoéticas, possui apenas um ato, dividido em várias cenas. A linguagementre os personagens é coloquial - e é através das falas que podemosclassificar a condição social de cada um dos personagens.Valores de duas épocasEscrita na passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a obra oscilaentre os seus valores morais de duas épocas: ao mesmo tempo que há umsevera crítica à sociedade, típica da Idade Moderna, a obra também estáreligiosamente voltada para a figura de Deus, o que é uma característicamedieval.A sátira social é implacável e coloca em prática um lema, que é "rindo,corrigem-se os defeitos da sociedade". A obra tem, portanto, valor educativo muito forte. A sátira vicentina serve para nos mostrar, tocandonas feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em quetodos eram melhores. Mas é um mundo perdido, infelizmente. Ou seja, amensagem final, por trás dos risos, é um tanto pessimista.
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