BUSCA

Links Patrocinados



Buscar por Título
   A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z


O Coraçao Do Tártaro
(Rosa Montero)

Publicidade
Zarza desperta angustiada. Ela não possui a confiança necessária no mundo para acreditar que, ao abrir os olhos, a realidade cotidiana estará aí, do outro lado das pálpebras. Paulatinamente, ela vai construindo sua realidade. É inverno, janeiro, terça-feira. Ela trabalha como editora de livros medievais. Tem 36 anos. Chama-se Sofia Zarzamala.O despertador marca 8:02. O apartamento de Zarza é impessoal, como se ela tivesse acabado de se mudar. Ela evita recordações e relacionamentos fora do trabalho. Nos últimos sete anos empregou sua energia em manter uma rotina invariável, preenchendo todas as horas em que não está no escritório. Zarza entra embaixo da ducha às 8:14. A repetição dos gestos cotidianos a reconforta. Mas, às 8:15, acorre algo inusitado: o telefone toca. Uma voz masculina diz apenas: eu encontrei você. Zarza desliga abruptamente, agarra suas roupas no chão e se veste. Sem hesitação, abre uma gaveta, pega um maço de dinheiro e o mete no bolso. Três minutos depois, sai do apartamento. O som do telefone ressoa a suas costas.

Nas vinte e quatro horas subseqüentes, Zarza descerá novamente ao inferno mais profundo, ao coração do Tártaro, do qual havia escapado há sete anos. Ela toma a decisão de desaparecer, mas não sem se despedir de Miguel, seu irmão excepcional. Chega à clínica e Miguel lhe remete um bilhete onde está escrito: Vim cobrar o que você me deve. Zarza está acuada e luta. Seu primeiro lance é regressar à cidade da Rainha, que pensava haver abandonado para sempre. Ela busca o traficante Duque e lhe diz que ele, Nicolás, saiu da prisão. Ela quer saber onde ele está. Duque replica que Zarza não passa de um dedo-duro: trair está em sua natureza. Duque atinge o alvo. Zarza se pergunta até que ponto o sofrimento pode justificar seus atos. Talvez ela fosse destinada a trair mesmo se não tivesse tido uma mãe ausente e um pai abusador. E se recorda de certas tardes de sua infância, em que seu pai dizia vem, vamos brincar de menina boa e menina má. O que você fez depois de se levantar? Independentemente da resposta, se ele decidisse assim, ela tinha que abaixar as calcinhas e se deitar em seu colo. Ele lhe dava palmadas nas nádegas redondas: primeiro de leve, depois cada vez mais forte e, de novo, acariciante. Outra lembrança mais profunda a dilacera: sua mãe abriu a porta da despensa e se deparou com a filha de cinco anos sendo acariciada no escuro por um pai despido.

Na primeira vez em que se entregara à Rainha, Zarza vomitara. Mas por dentro explodira em algo semelhante a um colossal orgasmo. Foi Nicolás, seu irmão gêmeo, que a conduzira à Branca. Desde de pequenos, eles eram muito unidos. Numa família desintegrada, eles desenvolveram uma cumplicidade absoluta e inquietante. Graças à essa cumplicidade atravessaram relativamente incólumes o desaparecimento da mãe - por suicídio, assassinato ou acidente - e do pai fugitivo após um escândalo financeiro. Na época em que terminaram seus estudos, a Branca entrara em suas vidas e os arrastara. Quando não possuíam mais nada, Zarza passara a se prostituiu. Sua aparência se deteriororara ao ponto de a espusarem das casas de prostituição. É nesse momento que ela encontrara Urbano, um artesão solitário, introvertido. Zarza caminha pela cidade e sente que Nicolás está próximo dela. Em pânico, corre para o carro. Do lado de dentro do pára-brisa, encontra o bilhete: Estou cada vez mais perto. Ela abandona o carro e procura Urbano. Há quase oito anos, ela vivera alguns meses com ele, ao cabo dos quais, se desintoxicara. Em seguida, ela reencontrara Nicolás, recaíra e cometera abjetas traições. Ela traíra Miguel, em troca de uma dose, e Nicolás, em busca de absolvição pela traição a Miguel.

O reencontro com Urbano aguça sua percepção do paralelismo entre sua história e uma velha legenda medieval que ela está encarregada de editar. A legenda tem dois possíveis fins e cabe a ela eleger qual será editado. Zarza percebe que ela pode eleger também sua vida. Ainda que um dia, Nicolás a destrua. Ou não. Ou que a hepatite C, da qual é portadora, lhe arrebente o fígado. Ou talvez não. Ou que o anelo pela Branca, inscrito a fogo em sua memória, a arrebate novamente. Ou não.



Resumos Relacionados


- Só Uma Estória - Conto Ii

- Simbolos Natalinos - Origem E Papai Noel

- Presságio

- Livro: O Milagre Nicolas Sparks

- Canibal De Rouen é Condenado A 30 Anos De Prisão Na França



Passei.com.br | Biografias

FACEBOOK


PUBLICIDADE




encyclopedia