O Filho Do Puto   
(Igor Kolling Maciel)
  
O filho da puta não morre, está   deitando naquela fétida cama de hospital resmungando frases sem sentido   nos seus devaneios constantes causados pela febre.   Ninguém liga para   o idiota, sua única companhia na hora da verdade sou eu, seu filho. E   não. Não estou aqui por compaixão ou para demonstrar algum sentimento   bom. Aqui estou para regojizar este momento de liberdade. Esta   liberdade do peso que insiste em rodear minha vida. Maldita consciência   que insiste em me atormentar.   Considero este meu comportamento   completamente normal. Vejo meu asco com ele uma consequencia   instintiva. Comparo aos comportamentos dos bandos selvagens onde os   machos jovens acabam sentindo uma aversão inconsciente por seus pais e   se vêem na obrigação de abandonar o grupo.   Ele tosse e acorda. Fica feliz por eu estar ao seu lado. Retorno um riso forçado.   -Tinha tanta coisa pra fazer.   -É. Realmente não dá tempo.   -Nunca dá. Mas também vivi bem. Não realizei um décimo dos meus sonhos, mas os que realizei compensaram.   -Pena que nunca repartiu isso comigo.   -Você fala como se estivesse, em alguma momento, disposto a ouvir.   -É, talvez tem razão. Mas você poderia escrever sobre o que ainda gostaria de fazer e sobre o que já fez...   -Não.   Não tenho mais tempo. A iminência do meu fim me obrigaria a escrever   alguma coisa importante. Não tenho a competência, sou banal. Teria que   conseguir descrever uma vida, e isso, com certeza, não cabe nas   palavras. Além do mais, prefiro acabar deixando a expectativa de que   conseguiria deixar um legado genial do que frustrar a todos com textos   medíocres.   -Resumindo: é melhor não tentar do que tentar e fracassar.   -No fim da vida não temos tempo pra fracassarmos, ou o somos ou não. No meu caso fica o óbvio.   -E o que achas de se sentir fracassado?   -Sempre   ignorei o óbvio. Sempre escondi minha covardia atrás das ideologias.   Nunca tive a real coragem de tentar, então depreciava todos que, de   alguma forma, lutavam. Pelo medo do fracasso não tentei. Assumi uma   postura oposta ao sistema por medo de que não conseguiria sobreviver à   ele. Combati o que eu sei que não venceria. Fui contra porque sabia que   não teria competência de ter sucesso. Aliás, se fosse definir minha   vida em uma palavra ela seria medo. Tinha medo das pessoas, não   compreendia suas reações, tinha medo do fracasso que viria com certeza,   tinha medo de não me amarem, tinha medo de não fazer diferença, tinha   medo de tudo em que acabei me tornando.      O patético dele me   impressionava. Aquele homem que sempre parecera sincero aos meus olhos   estava agora se mostrando o mais hipócrita que eu já percebera. Tive   raiva. Tive medo. Tive certeza. Sou igual à ele.  
 
  
 
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