Ensaio Sobre A Cegueira
(José Saramago)
Esta é uma manhã normal, de um dia como outro qualquer. Um homem, como muitos outros, sai para o emprego no seu automóvel. os seus pensamentos são iguais aos de todos os dias. Automaticamente conduz, ouve as noticias no rádio e pensa que tem pela frente uma rotina efadonha e cansativa. Numa rua, onde passa todos os dias, pára o carro em frente ao semáfero vermelho e aproveita para dar uma vista de olhos ao que o rodeia. O vizinho do carro ao lado parece travar uma discussão acesa com a mulher, dado o gesticular frenético dos braços e as carrancas que ambos fazem. Abana a cabeça conformado. Repentinamente vê uma escuridão que se faz sentir como pele de galinha. Volta a abanar a cabeça e procura encontrar o sinal, que neste momento já deveria estar verde. Mas nada! Lá longe ouve aquilo que lhe parece o som de buzinas. Meio adormecido de medo ou perplexidade, pestaneja e abre bem os olhos: não vê! Uma nevoa negra abateu-se sobre as suas janelas para o mundo. Deus pareceu esquecer-se de dar à luz, como faz todos os dias. Entrou em panico. Deitou a mão ao volante, à porta do carro, ao travão... parou. Deixou-se ficar mais um pouco. Talvez a visão volte. Deve ser só cansaço. Rápidamente abordado por quem passava por ali, o nosso homem saiu do carro e na total escuridão, pediu ajuda. Levado a casa por uma alma caridosa, esperou que a mulher regressasse do trabalho e foram ao médico. Este confirmou a cegueira momentanea (sem qualquer causa aparente) e recomendou repouso e paciencia. Tudo voltará ao normal. No entanto, assim não aconteceu. Como se de uma epidemia se tratasse, mais casos desta cegueira estranha se abateram sobre a cidade e sobre o país. Medidas tiveram que ser tomadas. Afinal, podia ser uma doença contagiosa! Todos os individuos doentes começaram a ser conduzidos e encarcerados em antigos hospitais de leprosos, actualmente desactivados e sem utilidade, para manutenção da ordem e da integridade de quem estava bem. As pilhagens tornaram-se um habito já que não havia ninguem para tomar conta, mas também não havia quem fizesse a rotina funcionar. Quem servia os cafés se também os empregados de mesa ficaram sem ver? Até os potenciais ladrões o deixaram de ser, após uma breve tentativa de furto e logo de seguida, a total escuridão. A vida passou a ser levada nos locais de quarentena, onde diariamente chegavam mais e mais homens, mulheres e crianças, nas trevas da ignorância e servidão humanas. As condições eram as mais horrorosas. Como animais perdidos, as pessoas encontravam um canto duma dependência hospitalar e aí faziam o seu ninho. As necessidades faziam-se como possivel, até o espaço ficar envolto num fedor nauseabundo e anestesiante. E ninguém via... Não! Havia alguém! Uma mulher. Aterrorizada. Talvez mais que os outros. Era a unica que conseguia ver: a mulher da primeira vitima. O medo que tinha de revelar a sua capacidade, juntava-se ao horror de assistir à perversidade e degradação humanas. Procurava ajudar os outros, sem revelar que via. Assistiu a violações, roubos, loucura e desespero. Mas também, ao inicio de novos amores, amizades e companheirismo. Manteve a calma. Muitos morreram. Alguns, os que nunca perderam a visão, comadavam. Tratavam das suas vidas. Isolaram os problema. Esconderam a vergonha, os aleijados. O que fazer com um monte de pessoas que não servem para nada? Num desenrolar emocionante de acontecimentos pela luta da dignidade, assistimos a uma dualidade de valores que vai da total falta de valores ao altruismo corajoso. Após longos dias de desepero humano, a vida volta lentamente ao normal, quando a luz volta à vida de todos, pela mesma ordem por onde começou a cegueira. Brilhante!
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