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O Cortiço
(Aluízio Azevedo)

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João Romão foi, dos treze aos vinte e cinco anos,empregado de um vendeiro que enriqueceu entre as quatro paredes de umasuja e obscura taverna nos refolhos do bairro do Botafogo; e tanto economizoudo pouco que ganhara nessa dúzia de anos,que, ao retirar-se o patrão para a terra, lhe deixou, em pagamentode ordenados vencidos, nem só a venda com o que estavadentro, como ainda um conto e quinhentos em dinheiro.Proprietário e estabelecido por sua conta, o rapaz atirou-seà labutação ainda com mais ardor, possuindo-se detal delírio deenriquecer, que afrontava resignado as mais duras privações.Dormia sobre o balcão da própria venda, em cima de umaesteira, fazendo travesseiro de um saco de estopa cheio de palha. Acomida arranjava-lha, mediante quatrocentos réis por dia,uma quitandeira sua vizinha, a Bertoleza, crioula trintona, escravade um velho cego residente em Juiz de Fora e amigada comum português que tinha uma carroça de mão e faziafretes na cidade.Bertoleza também trabalhava forte; a sua quitanda era a maisbem afreguesada do bairro. De manhã vendia angu, e à noitepeixe frito e iscas de fígado; pagava de jornal a seu dono vintemil-réis por mês, e, apesar disso, tinha de parte quase queonecessário para a alforria. Um dia, porém, o seu homem,depois de correr meia légua, puxando uma carga superior àssuasforças, caiu morto na rua, ao lado da carroça, estrompadocomo uma besta.João Romão mostrou grande interesse por esta desgraça,fez-se até participante direto dos sofrimentos da vizinha, e comtamanho empenho a lamentou, que a boa mulher o escolheu para confidentedas suas desventuras. Abriu-se com ele,contou-lhe a sua vida de amofinações e dificuldades."Seu senhor comia-lhe a pele do corpo! Não era brinquedo para umapobre mulher ter de escarrar pr?ali, todos os meses, vinte mil-réisem dinheiro!" E segredou-lhe então o que tinha juntado paraa sua liberdade e acabou pedindo ao vendeiro que lhe guardasse as economias,porque já de certa vez fora roubada porgatunos que lhe entraram na quitanda pelos fundos.Daí em diante, João Romão tornou-se o caixa, oprocurador e o conselheiro da crioula. No fim de pouco tempo era ele quemtomava conta de tudo que ela produzia e era também quem punhae dispunha dos seus pecúlios, e quem se encarregava deremeter ao senhor os vinte mil-réis mensais. Abriu-lhe logouma conta corrente, e a quitandeira, quando precisava de dinheiropara qualquer coisa, dava um pulo até à venda e recebia-odas mãos do vendeiro, de Seu João , como ela dizia. SeuJoãodebitava metodicamente essas pequenas quantias num caderninho, em cujacapa de papel pardo lia-se, mal escrito e em letrascortadas de jornal: Ativo e passivo de Bertoleza.E por tal forma foi o taverneiro ganhando confiança no espíritoda mulher, que esta afinal nada mais resolvia só por si, eaceitava dele, cegamente, todo e qualquer arbítrio. Por último,se alguém precisava tratar com ela qualquer negócio, nemmaisse dava ao trabalho de procurá-la, ia logo direito a JoãoRomão.Quando deram fé estavam amigados.Ele propôs-lhe morarem juntos e ela concordou de braçosabertos, feliz em meter-se de novo com um português, porque,como toda a cafuza, Bertoleza não queria sujeitar-se a negrose procurava instintivamente o homem numa raça superior àsua.João Romão comprou então, com as economias da amiga,alguns palmos de terreno ao lado esquerdo da venda, e levantouuma casinha de duas portas, dividida ao meio paralelamente àrua, sendo a parte da frente destinada à quitanda e a do fundopara um dormitório que se arranjou com os cacarecos de Bertoleza.Havia, além da cama, uma cômoda de jacarandá muitovelha com maçanetas de metal amarelo já mareadas, umoratório cheio de santos e forrado de papel de cor, um baúgrande de couro cru tacheado, dois banquinhos de pau feitos de uma sópeça e um formidável cabide de pregar na parede, com a suacompetente coberta de retalhos de chita.O vendeiro nunca tivera tanta mobília.? Agora, disse ele à crioula, as coisas vão correr melhorpara você. Você vai ficar forra; eu entro com o que falta.Nesse dia ele saiu muito à rua, e uma semana depois apareceucom uma folha de papel toda escrita, que leu em voz alta àcompanheira.? Você agora não tem mais senhor! declarou em seguida àleitura, que ela ouviu entre lágrimas agradecidas. Agora estálivre.Doravante o que você fizer é só seu e mais de seusfilhos, se os tiver. Acabou-se o cativeiro de pagar os vinte mil-réisà pestedo cego!? Coitado! A gente se queixa é da sorte! Ele, como meu senhor,exigia o jornal, exigia o que era seu!? Seu ou não seu, acabou-se! E vida nova!Contra todo o costume, abriu-se nesse dia uma garrafa de vinho do Porto,e os dois beberam-na em honra ao grandeacontecimento. Entretanto, a tal carta de liberdade era obra do próprioJoão Romão, e nem mesmo o selo, que ele entendeude pespegar-lhe em cima, para dar à burla maior formalidade,representava despesa porque o esperto aproveitara umaestampilha já servida. O senhor de Bertoleza não tevesequer conhecimento do fato; o que lhe constou, sim, foi que a suaescrava lhe havia fugido para a Bahia depois da morte do amigo.? O cego que venha buscá-la aqui, se for capaz... desafiou ovendeiro de si para si. Ele que caia nessa e verá se tem ou nãopra pêras!Não obstante, só ficou tranqüilo de todo daía três meses, quando lhe constou a morte do velho. A escrava passaranaturalmente em herança a qualquer dos filhos do morto; mas,por estes, nada havia que recear: dois pândegos de marca maior que,empolgada a legitima, cuidariam de tudo, menos de atirar-se na pista deuma crioula a quem não viam de muitos anosàquela parte.



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