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V. S. Naipaul e o Nobel
(José Pedro Antunes)

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O escritor V. S. Naipaul, que há muitos anos conta entre os candidatos ao Prêmio Nobel de Literatura, e que agora de fato é aclamado pelo júri de Estocolmo como parte do círculo dos agraciados, tem pelo menos três fisionomias.



Como resultado literário, dessas expedições ele trouxe consigo reportagens épicas, tais como “The Middle Passage" (1962), "Índia: Uma cultura ferida" (versão alemã: 1978) ou "Uma viagem islâmica. Entre os que acreditam" (versão alemã: 1982), que estão entre as mais impressionantes e informativas obras do gênero sobre o Caribe, a Índia e, principalmente, os países islâmicos. Faz parte das peculiaridades do mercado editorial alemão, que tais descrições literárias de viagens – também as de Naipaul – não encontrem senão alguns poucos leitores, embora os alemães se vejam como um povo afeito a viagens e leituras.

Em terceiro lugar, com o tempo Naipaul se tornou um autor explicitamente moderno, variado em suas experimentações, que quase demonstrativamente se distanciou de seus primeiros escritos, de caráter tradicional. Em "O enigma da chegada", por exemplo, no fundo ele descreve, ao longo de mais de mil páginas, nada mais do que um pequeno vale a leste de Londres, no qual por anos a fio viveu e escreveu numa pequena e úmida casa rural. Um livro que poderia ser atribuído a um autor do “nouveau roman” francês”, e não a um romancista capaz de narrar de forma tão vívida e intensa, ou a um repórter capaz de análises politicamente frias.

Seu reconhecimento internacional se deve ao romance “Uma casa para Mister Biswas", que narra a vida em sua pátria caribenha e a luta de um imigrante indiano, um homem simples, mas cheio de ambições, a perseguir o nobre objetivo de levar com sua família uma vida economicamente autônoma e ao mesmo tempo cultivada. Com esse romance de tons autobiográficos, Naipaul erigiu para seu pai, um homem que a vida inteira tentou ser jornalista e escritor, mas que sempre tornava a fracassar nas miseráveis condições de vida em Trinidad, um monumento tocante e inesquecível.


Devido a seu olhar impiedoso não apenas para as fraquezas do primeiro mundo, mas também para as do terceiro mundo, Naipaul tem sido muitas vezes duramente atacado. Sua conclusão, depois de ter trabalhado como professor nos Estados Unidos: "Alunos com pouca cultura, suas meiazinhas brancas, ameaçam a América mais do que os embargos do mercado do petróleo". Sobre sua pátria de adoção, a Grã-Bretanha, anotou: "A vida aqui é na verdade uma espécie de castração. Na Inglaterra, as pessoas sentem-se orgulhosas de serem estúpidas." E, depois de uma viagem à África: "As pessoas dizem que o homem selvagem foi explorado, que é uma vítima do colonialismo. Eu, ao contrário, acredito que as pessoas na Europa suportaram muito maiores incertezas e violência do que jamais um ser humano experimenta na selva. Estou espantado com a criatividade na Europa. Não-criativos são, na verdade, os países árabes e a África. Não fazem nada, são lugares parasitários."

Naipaul não é homem de manifestações politicamente ponderadas, contidas. Mas alcança dar vazão ao seu furor sempre com grande competência: Sabe do que fala e consegue alicerçar seus julgamentos na própria experiência vivida. Naipaul, que, de anônimo filho de pais indianos empobrecidos estacionados numa ilha perdida do Caribe, por sua própria força literária acaba se tornando um cosmopolita e um autor reconhecido no mundo inteiro, estabelece parâmetros irrevogáveis. Que isso feito dele uma pessoa cordata, ninguém haverá de afirmá-lo.
Naipaul não poupa nada e ninguém – mas ao menos poupa a si mesmo. É um trabalhador fanático, que, mesmo depois de datilografados, inúmeras vezes reelabora a mão os seus originais, para assim tornar a burilar cada frase, cada formulação – muitas vezes chegando próximo do colapso físico. Desse modo, tornou-se um autor livre no sentido literal da palavra: "Isso preservou a minha independência", escreveu certa vez, “de pessoas, de intrigas, de rivalidades,de disputas. Não tenho opositores, nem rivais, nem mestres: Não temo a ninguém."

Justamente agora – no início de um novo milênio e depois dos atentados terroristas de 11 de setembro -, atribuir a V. S. Naipaul o Prêmio Nobel de Literatura é mais do que uma decisão literária. Trata-se de uma demonstração política: O agraciado é um homem com experiência em várias culturas, que olha sem viseiras para sua época, e que escreve e pensa sem muletas. É um homem que há décadas, como poucos – também dolorosamente – sentiu na própria carne a globalização do conjunto das relações vitais. E, last but not least, um escritor que, seguindo a tradição literária européia, levou aos leitores de todos os continentes, com uma notável desenvoltura narrativa, o relato sobre regiões do mundo aparentemente perdidas, nelas descobrindo afinal as mesmas esperanças, os mesmos sofrimentos, os mesmos sonhos, em resumo: os mesmo seres humanos que povoam todos os grandes romances. V.S. Naipaul empurrou o horizonte da nossa literatura um bom pedaço adiante rumo ao desconhecido. Por tal feito, o Prêmio Nobel de Literatura do ano 2001 é uma honraria merecida.



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