VIRTUDES DA CAUTELA
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As Virtudes da Cautela James Hillman Um apelo ao despertar de nossas respostas estéticas Avareza, gula, vaidade, lascívia, inveja, ira, preguiça – a estes clássicos sete pecados capitais, de acordo com Aldous Huxley, nós modernos, a despeito de nosso gênio inventivo e depois de tantos séculos, só fomos capazes de acrescentar um único novo pecado. Qual? Pressa, afobação, correria, velocidade, ímpeto, aceleração. Nosso Zeitgeist [espírito do tempo] é regido pelo Geist [Espírito] do Zeit [Tempo]. Vivemos numa economia da pressa, e o próprio planeta aquece com a energia de nossa rapidez. Tempo é dinheiro e, por isso, velhos adágios como: “devagar se vai ao longe”; “olhe antes de saltar”; “mais vale prevenir do que remediar”; “os tolos correm por onde os anjos hesitam em pisar”; “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”, são rejeitados . A pressa, o espírito rápido do tempo, afeta também a biologia humana. A menarca ocorre cada vez mais cedo; as crianças crescem mais rápido; os atletas quebram recordes pulando obstáculos mais depressa, saltando mais alto e mais longe. E a rapidez afeta nossos diagnósticos psiquiátricos: quem quer ser considerado lento, retardado, passivo, retraído, regredido, fixado....? O tempo é imaginado como um rio que corre e adquire velocidade conforme vai fluindo sempre numa mesma direção, e, por isso, “aquele que vacila está perdido”, como se costuma dizer. A cautela então só pode ser imaginada como timidez, pessimismo, obstinação recalcitrante, teimosia e um estúpido apego a modos antigos. E, mais ainda, as imagens e a retórica que urgem cautela e resistência à corrida impetuosa, revivem as imagens e a retórica de um antigo deus da cultura Mediterrânea e Renascentista, Saturno/Cronos – velho, lento, frio, negativo, estável, limitador e avaro, um inimigo da mudança. Assim, quando o princípio de precaução entra no debate público, os partidos se agrupam por linhas arquetípicas, até mesmo míticas. De um lado, otimismo, futurismo, expansão, pensamento positivo, um avanço progressista indo de encontro aos obstáculos a medida em que surgem, para vencê-los com redobrada energia. Essa é a mente heróica, movendo-se decididamente para a frente, à altura de qualquer desafio, confiante em sua própria habilidade. Nenhum monstro é grande demais, nenhuma parede completamente impenetrável. Enquanto o tempo for imaginado segundo o impulso heróico, a cautela será, por princípio, condenada. Ela só pode ser vista como bloqueadora, como aquilo que freia, como uma barreira no rio que impede seu curso produzindo remansos e poças estagnadas. A cautela guarda apenas a face que lhe é atribuída pela noção heróica unilateral. Três outras características de nossa época são lançadas de roldão nesse mesmo rio: os cultos da tecnologia, a competição e a celebridade. As principais melhorias trazidas por mudanças tecnológicas, até a era da computação eletrônica, eram poupadoras de trabalho e de espaço. Um avanço tecnológico era mensurável pelo número de horas de trabalho que uma máquina poupava e a esta podia compactar e reduzir materiais para tamanhos mais maleáveis e transportáveis. Mas agora a mudança tecnológica traz principalmente o benefício da velocidade: um maior número de coisas feitas mais rapidamente. O que é poupado é o tempo. O tempo também amaldiçoa os prazeres da descoberta. Não é mais suficiente experimentar, ponderar placidamente, descobrir. Há uma pressão competitiva esmagadora para ser o primeiro a anunciar uma fórmula, um método, um produto. O primeiro a publicar pode ganhar um premio Nobel; o primeiro no mercado tem o maior lucro. Estamos na era dos atalhos, da espionagem corporativa e de resultados falsificados – tudo isto devido à competição. Como numa corrida a pé, só aquele que chega em primeiro lugar se qualifica; os outros são perdedores. Uma cultura que promove os vencedores consegue mais e mais perdedores. Gosto de recordar um preceito da religião Sikh: “Fique sempre em segundo lugar”. A precaução como virtude. O culto da celebridade – a idéia que cada um de nós pode ter seus “quinze minutos de fam”, nas palavras de Andy Warhol - alterou radicalmente a noção de fama. Na época romana, ou durante o Renascimento, a fama, ou reputação, era imaginada como se fosse um espírito companheiro invisível, o gênio herdado de um ancestral. Este era mais precioso do que a própria vida, devia ser servido, honrado, enaltecido por ações, mantido imaculado. Seus benefícios duradouros passavam para os herdeiros, legado à gerações futuras como o brasão e o nome de família. Atualmente a fama foi acelerada e substituída pela celebridade, palavra cuja raiz é aparentada com celeritas, celeritatis e com a palavra - inglesa e portuguesa - ‘aceleração’. Haveria outra maneira de consideramos o princípio de precaução sem ser a partir de premissas míticas e imagens de um ego heróico apressado? E, por falar nele, o ego heróico, cujo epítome na mitologia mediterrânea foi Hércules, enlouqueceu depois de correr por seus doze trabalhos e precisou descer ao mundo subterrâneo das sombras e dos mortos ou, em outro conto, sentar-se quieto e fiar, girando e girando a mesma roda, todo avanço exaurido.
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