BUSCA

Links Patrocinados



Buscar por Título
   A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z


Ensaio Sobre a Cegueira: uma metáfora a favor da humanização (parteII)
(Márcia Elizabeti Machado de Lima)

Publicidade
Ao retomarmos a discussão da obra de Saramago, em que visualizamos uma perspectiva utópica, apontamos para o que diz o autor, que a utopia “seria aquele tempo e estaria naquele lugar em que o ser humano deixaria de se ver a si mesmo como mutilado, como amputado. À luz da recusa dessa mutilação e da não aceitação da realidade em que estamos mergulhados, é que Saramago cria um enredo que traz como epígrafe, uma citação do Livro dos Conselhos “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.” Nesse enredo, uma a uma as personagens, sem nome, sem referência espaço-temporal, em que lemos a universalidade da obra , vão contraindo uma cegueira branca, conotando o excesso de cores, oposta à cegueira negra que conhecemos, a ausência de cores. Trazendo implícita a relação século das trevas x século das luzes. Se no das trevas a humanidade era impedida de ver as coisas, de ter acesso ao conhecimento, agora é a obrigatoriedade de ver tudo, e desse tudo, o mais difícil, separar o que serve e o que não nos serve. Eis a polêmica: As personagens do Ensaio, então, não estariam na escuridão, mas num mar de leite, conforme a fala do primeiro cego: “O cego ergueu as mãos diante dos olhos, moveu-as, Nada, é como se estivesse no meio de um nevoeiro, é como se tivesse caído num mar de leite, Mas a cegueira não é assim disse o outro, a cegueira dizem que é negra, Pois eu vejo tudo branco...”(p.13) Retomando ao fato da não nomeação das personagens, esclarecemos que são identificadas por aspectos sociais ou referentes à visão: o primeiro cego, a rapariga dos óculos escuros, o velho da venda preta, o menino estrábico, o médico, a mulher do médico, sendo essa última, a única que não perde a visão e os guia com força, determinação, e acima de tudo, com muita humanidade, ao que o narrador enfatiza sobre o peso da responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam. É a postura de um narrador, que já sabemos, aposta na mulher, pois suas personagens femininas são sempre dotadas de uma capacidade holística, acreditamos que pense em conformidade com Boff, (2000:87) “...que a mulher não se move nas dualidades da cultura patriarcal, tem uma experiência inclusiva e globalizadora. Ela pensa com o corpo, os homens com a cabeça. Pensa com a totalidade da sua realidade...” (...), com uma visão mais integradora, que não dissocia. Tomando palavras do próprio Saramago, por ocasião do recebimento do título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, quando diz: “No caso do Ensaio Sobre a Cegueira ainda é essa a minha esperança: a de que a mulher seja capaz de tomar um lugar novo no mundo, de inventar um modo de ser e de viver. E cuidado! Se elas não fizerem isso logo, posso perder as minhas ilusões todas, o que seria uma pena. ” Nenhum leitor vive a experiência de leitura dessa obra sem ser afetado por ela. A violência se instaura a partir da página 45, quando o ministério da saúde decide isolar os cegos e deixá-los entregues às sua própria sorte, que só oferecia possibilidade de suportá-la e de superá-la pela ação da mulher do médico, a que os acompanha ao isolamento, por fingir às autoridades que contraíra a cegueira, “ O ministro teve a brilhante idéia de deixar todos os cegos e as pessoas que tiveram contato com eles de quarentena, uma quarentena diferente das outras, pois esta ninguém sabia o quanto podia durar.”(...) tanto poderiam ser quarenta dias como quarenta semanas,ou quarenta meses,ou quarenta anos,o que é preciso é que não saiam de lá.”(p. 45/46). Vale lembrar, que o local do isolamento é um espaço que já servira de manicômio, numa alegoria dessa cegueira como demência, que de fato vai ser desencadeada nas relações que vão se estabelecer com a convivência dos cegos, em que se joga com obscurecimento e com a iluminação das qualidades do ser humano, só sendo amenizada pela intervenção da mulher do médico. Sendo que a primeira manifestação de demência manifesta-se por parte do governo, pelas instruções dadas e regras repassadas aos cegos no momento da internação. Bem, não abordarei o final da obra, pois espero ter despertado em quem ainda não leu, o desejo de fazê-lo, só digo que aponta para uma nova ordem, para uma harmonização entre razão, emoção, intuição, de cunho mais espiritual, evidenciando uma possibilidade utópica. É interessante observar, que a personagem mulher do médico, dotada de uma visão especializada, migra, intratextualmente, depois de 09 anos, em 2004, para o Ensaio sobre a Lucidez, outra obra de Saramago, vai ser ela a responsável pela decisão dos eleitores de uma cidade, de novo sem nome, de reagirem votando maciçamente em branco, pelo que vai ser penalizada com uma perseguição policialConcluindo, essa é uma pequena mostra da obra de um autor com projeto ético e político, que não abandona a preocupação com a qualidade estético-literária da sua criação.



Resumos Relacionados


- Blindness

- Ensaio Sobre A Cegueira

- Ensaio Sobre A Cegueira

- Ensaio Sobre A Cegueira (saramago)

- Ensaio Sobre A Cegueira



Passei.com.br | Biografias

FACEBOOK


PUBLICIDADE




encyclopedia