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A Alma Encantadora Das Ruas
(João do Rio)

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Escrito durante o governo de Rodrigues Alves, A alma encantadora das ruas,
talvez seja o livro mais conhecido de João do Rio. É seu terceiro livro e foi
publicado em 1908 revelando um autor que apreendia a psicologia urbana e o espírito
da época com a mesma obsessão dos colecionadores. Ele saturava seus textos de
reminiscências decadentistas, mas o olhar que fixava no presente era o de um observador
deslumbrado, onde vê as novas relações sociais que se desenham no coração daquela
seria mais tarde chamada a Cidade Maravilhosa. A obra conta a vida de uma cidade
em transformação, na qual coabitam personagens e espaços que, ao mesmo tempo que
sobrevivem, já não existem como antes.
No início do século, iluminada pelas
primeiras luzes da modernidade, o Rio de Janeiro já se revelava, aos olhos mais
sensíveis, como uma cidade multifacetada, fascinante, efervescente na democracia
da ruas.
As crônicas de A Alma Encantadora das
Ruas mostram o significado e a própria essência da rua na modernidade. O
homem não é qualquer um, mas o que vive no espaço urbano. Numa relação dupla, a
sociedade faz a rua e esta faz o indivíduo:



"Há suor humano na argamassa do seu
calçamento."
"Oh! Sim, a rua faz o indivíduo, nós bem o sentimos." (A rua)
A essência da identidade carioca já está
presente nas linhas críticas e bem-humoradas deste João: a capacidade de criar
soluções de sobrevivência, a paixão pela música, a riqueza do imaginário social,
a espontaneidade da mistura cultural que constitui hoje a maior riqueza não
apenas do Rio, mas de todo o Brasil.
O livro aborda questões alijadas da
sociedade, como os trabalhadores, as cadeias e ladrões, unindo os fragmentos do
Rio de Janeiro da época. As crônicas-reportagens da obra encenam o que mancha o
projeto da cidade da virtude civilizada, que a ordem racional planejou (a cidade
ideal); ganham o palco da escrita aspectos da antitética cidade do vício,
símbolo e estigma dos males sociais.


Embora seu título lembre El alma
encantadora de Paris (1902) do nicaraguense Enrique Gomez Carrillo, pela sua
temática, está bem mais próximo de Les petites choses de Paris (1888) de Jean de
Paris (pseudônimo do jornalista do Le Figaro Napoléon-Adrien Marx) e de Paris
inconnu (1878) de Alexandre Privat d'Anglemont. É, no entanto, uma obra única e
bem carioca, e não surpreende que tenha se transformado num clássico, enquanto
os seus congêneres estrangeiros caíram no esquecimento, mesmo nos seus países de
origem.


O que mais espanta nessa obra singular (talvez
a mais interessante até hoje escrita sobre a cidade do Rio de Janeiro e sua
população), mais ainda do que o brilhantismo do estilo, é a sua homogeneidade,
ainda mais quando sabemos que é uma antologia de textos publicados anteriormente
pelo autor entre 1904 e 1907 no jornal A Gazeta de Notícias e na revista Kosmos.
No entanto, tudo flui tão naturalmente que temos a ilusão de estar lendo um
livro escrito de um fôlego só.


A obra é dividida em cinco partes e inclui, na
abertura e encerramento, duas conferências proferidas pelo autor em 1905: A
rua, que tematiza o objeto das reportagens: o espaço público partilhado por
todos, o espaço da diversidade, da diferença, “a mais igualitária, a mais
socialista, a mais niveladora das obras humanas” (para reportar as figurações da
rua, elege a metáfora biológica do corpo, que permite ler a cidade como algo
familiar e instantaneamente apreensível. A leitura apóia-se em pontos de
referência concretamente miméticos, ou culturalmente ligados à tradição, em que
o narrador se ancora em seus trajetos pelos meandros do corpo urbano), e A
musa das ruas (anteriormente intitulada Modinhas e cantigas). As
outras três partes são compostas basicamente de reportagens, magníficos exemplos
desse gênero, que o autor praticamente introduziu no jornalismo nacional. O que
se vê nas ruas aborda as pequenas profissões dos biscateis que perambulavam
pelas ruas da cidade na virada do século: tatuadores, vendedores de livros e
orações, músicos ambulantes, cocheiros, pintores de tabuletas de lojas
comerciais e paisagens de parede de botequim; e também as festas populares da
Missa do Galo, Dia de Reis e Carnaval. Dois desses textos (Visões d'ópio
e Os cordões) extrapolam o gênero da reportagem e entram no da crônica. O
mesmo podemos dizer de As mariposas do luxo, que abre a terceira parte,
intitulada Três aspectos da miséria. Aqui aborda-se principalmente as
condições de trabalho dos operários e a mendicância. As reportagens sobre o
proletariado (Os trabalhadores da estiva e A fome negra) são
pioneiras no assunto. A quarta parte, Onde às vezes acaba a rua compõe-se
de seis reportagens entre os presos da Casa de Detenção, que ainda hoje, mais de
90 depois, impressionam pela atualidade.


Em nenhum outro livro a cidade do Rio de
Janeiro aparece tão nitidamente, a ponto de dizermos que nele, a cidade é a
protagonista da cena. E, mais importante, nesta obra vemos o amadurecimento da
linguagem de João do Rio, a ponto de dizermos que um novo estilo literário é
criado. Neste caso, a forma como o escritor capta e procura descrever a
cidade, certamente representa aspecto fundamental para a compreensão deste
amadurecimento estilístico. Em outras palavras, a cidade, em sua estrutura e em
seus níveis de sociabilidade, influencia a criação de um novo estilo literário:
o ritmo das crônicas ganha agilidade e variedade, a dicção se aproxima do
prosaico para conservar o lirismo (um modo de realçar o que há de “encantador”
nas ruas). Neste livro, vemos João do Rio como o escritor que, reunindo as
qualidades do flâneur ("Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque
e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem [...] Flanar é a
distinção de perambular com inteligência [...] O flâneur [...] acaba com a idéia
de que todo o espetáculo da cidade foi feito especialmente para seu gozo próprio
[...]. E de tanto ver o que os outros quase não podem entrever, o flâneur
reflete [...]. Quando o flâneur deduz, ei-lo a concluir uma lei magnífica por
ser para seu uso exclusivo, ei-lo a psicologar, ei-lo a pintar os pensamentos, a
fisionomia, a alma das ruas") e do dandy, se sente seduzido pelo
mundo que as ruas lhe oferecem, onde nasce um tipo de sentimento inteiramente
novo e arrebatador, que carece de compreensão e vivência: o mundo encantador das
ruas.


As crônicas-reportagens de A Alma
Encantadora das Ruas são na verdade convites para acompanhar João do Rio em
suas perambulações pelas ruas do Rio de Janeiro, são convites à “flanar”
juntamente com ele, através de seu estilo, por sua visão de mundo. Um passeio
poético pela “decadência exuberante” da capital da República. Convidado a
“flanar” com o narrador, o leitor penetra nos fragmentos da cidade, cuja alma
configura um mosaico irredutível e imiscível, no qual o tipo urbano não é um
simples produto de sua variedade mas a essência que a constitui. O que intriga
ainda hoje ao ler estas páginas, não é perceber a acuidade de seu Autor, o modo
como capta certas particularidades do momento histórico que o inspirou, mas
perceber que tais particularidades são transformadas em linguagem literária, em
estilo de escrita - traço que garante o prestígio de João do Rio.



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