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Isto pode ser correcto na teoria, mas nada vale na prática (em A Paz Perpétua...) - V
(Kant)

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Ainda da relação da teoria à prática no direito político.
Resistência. “Mas é uma simples ideia da razão, a qual tem no entanto a sua realidade (prática) indubitável: a saber, obriga todo o legislador a fornecer as suas leis como se elas pudessem emanar da vontade colectiva de um povo inteiro, e a considerar todo o súbdito, enquanto quer ser cidadão, como se ele tivesse assentido pelo seu sufrágio a semelhante vontade. É esta, com efeito, a pedra de toque da legitimidade de toda a lei pública.”
A pedra de toque da legitimidade de toda a lei pública é a força inquestionável, porque totalmente a priori, da lei moral. O direito jurídico assenta sobre este direito de cada um à sua dignidade humana (o sentimento moral é objectivo, orientado por conceitos da razão, e, como tal, universal).
Numa constituição civil como esta, quem é, afinal, o Soberano? Será uma figura humana individualizada, ou será aquela entidade que denominamos como o Estado de direito? E quem quer resistir a um estado de direito? Penso que é nesta óptica que devemos encarar a posição de Kant sobre o direito de resistência. Diz a Constituição da República Portuguesa, sobre o direito de resistência (Artigo 21º): “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.” Será este espírito diferente do de Kant? Pensamos que não, apesar das declarações do filósofo: “Se, pois, um povo sujeito a uma determinada legislação agora efectiva viesse ajuizar que a sua felicidade iria muito provavelmente ficar comprometida, que é que poderia fazer por si? Não deve ele resistir? A resposta só pode ser esta: nada pode fazer por si a não ser obedecer.”
Esta questão do direito de resistência tem semelhanças com a do direito de mentir, abordada também por Kant. Em relação ao direito de mentir, ele não pode ser considerado num quadro de direito jurídico, porque deitaria por terra os princípios fundamentais que sustentam o contrato social. Em relação ao direito de resistência, passa-se o mesmo: se ele fosse considerado no quadro legal de uma constituição civil. Assim, não é possível prever um direito de resistência numa constituição civil formada por cidadãos livres e autónomos. Simplesmente, não faz sentido (apela-se aqui à noção de evidência, tal como a via por exemplo, Bertrand Russell em relação à realidade ontológica: é por demais evidente que as coisas existem, assim como é por demais evidente que 2+2=4.
O nosso esquema mental é assim um garante da verdade desta ordem do mundo). O que não significa que o povo não tenha o direito de se insurgir contra a injustiça: “(…) é preciso conceder ao cidadão e, claro está, com a autorização do próprio soberano, a faculdade de fazer conhecer publicamente a sua opinião sobre o que, nos decretos do mesmo soberano, lhe parece ser uma injustiça a respeito da comunidade.” Trata-se da liberdade de imprensa, defendida por Kant, a par da liberdade de pensamento.
Mais do que forçar, o importante é convencer: “E por que outro meio seria também possível fornecer ao governo os conhecimentos que favorecem o seu próprio desígnio fundamental senão o de deixar manifestar-se este espírito da liberdade tão respeitável na sua origem e nos seus efeitos?”
Há uma teoria do direito político, sem cuja consonância nenhuma prática é válida. Kant adverte para o perigo do “deixa andar” das instituições colectivas para os cidadãos e para o progresso da humanidade (a ideia de progresso, já se sabe, não se dissocia dos estádios da universalidade: disciplinieren, kultivieren, zivilisieren, moralizieren). O comodismo político põe em perigo a mais elevada ideia da razão, a liberdade: “Ora, visto que todas as constituições que existem há muito, sejam quais forem os seus defeitos, produzem aqui em toda a suadiversidade o mesmo resultado, a saber, contentar-se com aquela que se tem, nenhuma teoria se aplica quando se olha a prosperidade do povo, mas tudo assenta numa prática dócil à experiência.”
O direito não se funda pela experiência. Logo, não é pela experiência que a humanidade evolui (e experiência, só por si, redunda em repetição, em mecanicismo – como tal funcionam as leis naturais do Universo), mas pela vontade unida de um povo, pela força da teoria do direito político, que permite aos homens a esperança de uma sociedade melhor: “(…) há uma teoria do direito político, sem cuja consonância nenhuma prática é válida.” A advertência de Kant é clara: é preciso continuamente exercitar o direito como peça fundamental do edifício, como órgão central do organismo vivo, constituído por um conjunto mais ou menos vasto de seres humanos, em convivência, num espaço comum. O órgão central não é coração, mas o ânimo (sede dos sentimentos moral e estético), que é uma faculdade da razão.
Mais uma vez fica aqui expressa a filosofia política de Kant como uma teoria de carácter futurista, mesmo duzentos anos passados sobre a morte do Autor. O que nos levará, em breve, directamente para o tema da esperança.



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