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Opióides - Do declínio às invasões
(Maria Truccolo)

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Opióides
Os opióides formam a classe de fármacos que atuam nos receptores opióides neuronais. Produzem ações de insensibilidade à dor ou analgesia e são usados principalmente na terapia da dor crônica e da dor aguda de alta intensidade. Em doses elevadas, produzem euforia, estados hipnóticos e dependência química e psíquica. Heroína e morfina são usados como droga recreativa de abuso.
A classe dos opióides naturais e sintéticos é composta por alfentanil, buprenorfina, codeína, fentanil, heroína, metadona, morfina, nalbufina, oxicodona, petidina, remifentanil, sufentanil e tramadol. Os opióides fisiológicos (produzidos pelo organismo humano) são as endorfinas, as dinorfinas e as encefalinas.
Muito embora as bibliografias consultadas dêem conta de que a heroína é uma droga "recreativa", em minha opinião a maior parte das pessoas que se utiliza deste opióide, em especial as que tornam-se dependentes, o faz por outros motivos.
Heroína, nome comercial da diacetilmorfina, refere-se à palavra alemã "heroisch", heróico, devido à sua poderosa estimulação analgésica. O fármaco, registrado pelo laboratório alemão Bayer, foi sintetizado em 1879, como alternativa à morfina e usado de 1898 a 1910. Depois disso foi cedido aos aliados (há fontes que dizem que os Estados Unidos descobriu a heroína nos arquivos secretos da Alemanha), em 1918, como reparação aos danos causados pela Alemanha na primeira guerra mundial.
A heroína era usada, então, como sucessora da morfina, porque esta, usada como anestésico e componente de xaropes contra a tosse (deprime o sistema respiratório), causava dependência. Enquanto isso, pensava-se que a heroína não causava dependência, uma inverdade logo revelada nos Estados Unidos, que proibiram o uso da droga após passarem a observar o comportamento violento dos usuários.
Para ilustrar o que penso sobre heroína, longe do espectro recreativo, busquei na memória trechos de dois filmes de um mesmo diretor-autor canadense, Denys Arcand, cuja sensibilidade consegue expressar a dor de viver após a quebra das ideologias, em especial as humanitárias, tanto as de massa (políticas para o bem-estar geral humano) quanto as individuais, muito bem representadas, hoje, pelas deformações do afeto.
Do declínio às invasões
"As invasões bárbaras", do cineasta canadense Denys Arcand, que 20 anos antes dirigiu "O declínio do império americano", põe em cena uma personagem dependente de heroína. A história de Nathalie (Marie-Josée Croze), em "As invasões..." é, antes de tudo, um roteiro de abandono. Por parte da mãe, que negou acolhimento às filhas, enquanto se ocupava de uma lista interminável de namorados (como mostra "O declínio..." e é lembrado em flashback em "As invasões...") e pela falta de um pai (o afeto, a lei, a interdição).
Ao conhecer o protagonista de "As invasões...", o historiador Rémy (Rémy Girard), Nathalie descobre que ele é amigo de sua mãe, ou seja, ambos são da mesma geração, e ele poderia ser seu pai. Ela, a heroínama, o conhece porque ele está em estado terminal, vítima de câncer. É procurada por Sébastien (Stephane Rousseau), um operador da bolsa de valores de Londres, filho de Rémy. Embora não mantenha boas relações com o pai, o yuppie Sébastien se ressente de não poder ajudá-lo em situação tão crítica, mesmo sendo endinheirado. Este filho, um profissional frio e calculista, é o oposto do pai, um mestre em ciências humanas.
Por isso, o operador da bolsa sai em busca de um analgésico mais potente que a morfina, para aliviar o seu remorso (ainda que não explicitado) e as dores insuportáveis do pai. Acaba encontrando Nathalie, uma adolescente dependente química de heroína, que expõe amplamente o quadro de um drogadicto e, em especial, o que a levou a tal situação. Nathalie não suporta a abstinência, mas conforme convive com Rémy, que depende de injeções e mais injeções de heroína para sobreviver à dor corporal, ela vai se dando conta do seu próprio sofrimento psíquico. Ele, cheio de vida, apesar de tudo. Ela, anestesiada da vida, pela sedação dos afetos insuportáveis.
As coisas começam a mudar, quando Rémy inicia uma conversa simples mas de tom profundamente existencial com Nathalie, que se estende toda vez que ela vai ao hospital lhe ministrar doses de heroína (médicos e enfermeiros fazem vista grossa, ante o milionário suborno de Sébastien). Rémy acolhe, ampara, fala sobre a vida, a existência, à Nathalie. Ao mesmo tempo, não a persuade nem a censura pelo uso da heroína, nem pergunta os porquês da necessidade de tanta anestesia, se não há um quadro de doença - aparente.
Rémy talvez trate uma dor além do câncer, causada pela incompreensão e indiferença (até então) do filho, que muito antes do estado terminal do pai o abandona no Canadá e vai para Londres. Pelos diálogos, Rémy trata, mesmo sem saber, a dor psíquica de Nathalie, atravessada por mágoas, ressentimentos e raiva em relação à mãe, com a qual não fala. Nathalie não tem câncer, mas a morte bate à sua porta, diariamente, na iminência de uma overdose de heroína.
São duas invasões bárbaras, das quais o declínio do império americano que as provocou, em razão da troca da estética existencial pela estética do consumo, da voracidade, da coisificação geral, não dá conta. Na verdade, nunca deu conta em seu auge, e o que o declínio faz é apenas expor a fratura.
Ao mesmo tempo, a convivência de Nathalie com Sébastien a faz se apaixonar (pulsão de vida, recuperação do afeto, já iniciada por Rémy) pelo rapaz - que já é noivo de outra moça, mais "ajustada" (não drogadicta), mas que também tem uma história de desamparo na infância.
Nesse cenário, Nathalie começa a migrar da heroína para a metadona, como forma de deixar o vício ilegal. Consegue receitas legais para a compra da metadona em farmácias, e passa a tratar-se. O historiador, por sua vez, comete eutanásia com uma overdose de heroína parental intravenosa. Já se Nathalie conseguiu superar a invasão bárbara do corpo e da alma pela heroína, ultrapassando o suplício da síndrome de abstinência, ninguém sabe.



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