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Ensaio/Figurantes
(José Peixoto; Jacinto Lucas Pires)

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Para uma desfragmentação e reinvenção do teatroCostuma dizer-se que só quem sabe pouco de análise literária pode escrever um livro. Em primeiro lugar, porque é mais livre para poder criar uma história, inserida num lugar e habitada por determinadas personagens; em segundo lugar, porque não questiona correntes literárias, nem estruturas narrativas, não analisa nem escolhe figuras de estilo, nem medita acerca do ponto de vista das personagens. Quem muito leu e estudou sobre literatura tende a analisá-la criticamente, perdendo, talvez, a vertente criativa do processo, e apostando numa perspectiva particular. Da mesma forma que só quem estudou a linguagem pode, por exemplo, como Halliday, catalogá-la e dividi-la segundo funções particulares, tendo em conta os actos ilocutórios humanos.
Todas as áreas tendem para o estudo e análise das suas estruturas e procedimentos, e o teatro não é excepção. O teatro dentro do teatro funciona, segundo Forestier, como uma imagem simbólica da actividade teatral e como uma tomada de consciência de si próprio. Ao escrever sobre o teatro, segundo a perspectiva e estrutura de uma peça teatral, o texto dramático sofre como uma desfragmentação, e essa análise funciona como uma reinvenção, apostando na originalidade de novas formas de abordagem.
É o que acontece em Ensaio, de José Peixoto, e Figurantes, de Jacinto Lucas Pires.
Em Ensaio mergulhamos na história de três actrizes que preparam a peça Três Irmãs, de Tchekov. Deslocam-se a casa de uma delas e preparam-se para ensaiar, o que nunca acontece. Em vez disso, apresentam-nos as suas histórias e inserem-nos nas suas vidas, para que as possamos entender melhor. Embora nunca tivesse lido Três Irmãs, penso que talvez se trace um paralelo entre a vida das personagens da peça teatral-alvo e a vida das personagens-actrizes, de forma a que o espectador sinta que há a reinvenção da análise dessas personagens, facilitando o entendimento das estruturas lógicas e das intenções do autor. As actrizes são-nos dadas como pessoas banais, com medos, problemas, alegrias, como qualquer um de nós, e essa dimensão extremamente humanizada das personagens ajuda a reforçar o carácter didáctico do teatro – a actriz é como eu e o que lhe aconteceu pode acontecer-me. O texto de José Peixoto é muito interessante e rico, ajudando o leitor a entender melhor o mundo feminino e levantando o véu acerca da linha ténue que existe entre a realidade e a representação.
E por falar em representação, de onde surge ela? Parte sempre de um texto, de uma imagem… ou vai surgindo, aos poucos, à medida que as personagens se desenvolvem? Na peça Figurantes, de Jacinto Lucas Pires, analisa-se isso mesmo: a relação entre as personagens enquanto originadoras de representação, de acção. A peça começa com um grupo de pessoas que espera, num determinado local. Atendendo ao título da peça, deduzimos que estejam num teatro, à espera para fazer alguma prova que lhes permita participar como figurantes numa peça. Mais à frente, alguém fala num estúdio 7, que será, hipoteticamente, um estúdio de televisão. No início, as personagens trocam falas desconexas, parecendo não se entender, mas apostando num conhecimento mútuo e no estabelecimento de relações. À medida que a acção decorre, elas começam a entender-se e a criar, elas próprias, uma história, a sua história, que servirá de percurso aos seus objectivos e à sua vida. As personagens surgem como possibilitadoras de acção, como criadoras, reinventando a sua condição de banal figurantes. São elas quem vai criar uma acção dentro da acção, participando criativamente na sua possível realização. Ao longo da peça, e de vez em quando, aparecem dois homens, um doente e totalmente apático ao que se passa à sua volta, e outro que o acompanha e que questiona activamente o seu papel. Costuma perguntar pelo estúdio 7 ao grupo que lá está, mas ninguém lhe responde e prossegue na sua busca incessante. Esta personagem parece ter afunção de quebrar o processo criativo iniciado pelas outras, trazendo-as à realidade e permitindo uma paragem na sua reinvenção. As personagens são apresentadas como figurantes para que entendamos quão banal pode ser a sua função dentro de um texto dramático, mas, à medida que a peça avança, essa banalidade é anulada, pois são elas que originam a história e a fazem desenvolver. Afinal de contas, sem figurantes a riqueza da história perde-se.
O texto dramático, enquanto elemento passível de análise, teima em se tornar mais rico e interessante, enveredando por um processo de renascimento e recriação, respondendo às exigências de originalidade e de aceitação, por parte de quem lê, e constituindo um desafio interessante para quem o cria. Só dessa forma poderá continuar a ser actual e a conquistar pessoas que o apreciem.



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