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ESTRAGOU A TELEVISÃO
(Luís Fernando Veríssimo)

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Ele -- Iiiih...Ela -- E agora?Ele -- Vamos ter que conversar.Ela -- Vamos ter que o quê?Ele -- Conversar. É quando um fala com o outro.Ela -- Fala o quê?Ele -- Qualquer coisa. Bobagem.Ela -- Perder tempo com bobagem?Ele -- E a televisão, o que é?Ela -- Sim, mas aí é a bobagem dos outros. A gente só assiste. Umfalar com o outro, assim, ao vivo... Sei não...Ele -- Vamos ter que improvisar nossa própria bobagem.Ela -- Então começa você.Ele -- Gostei do seu cabelo assim.Ela -- Ele está assim há meses, Eduardo. Você é que não tinha...Ele -- Geraldo.Ela -- Hein?Ele -- Geraldo. Meu nome não é Eduardo, é Geraldo.Ela -- Desde quando?Ele -- Desde o batismo.Ela -- Espera um pouquinho. O homem com quem eu casei se chamavaEduardo.Ele -- Eu me chamo Geraldo, Maria Ester.Ela -- Geraldo, Maria Ester ?!?Ele -- Não, só Geraldo. Maria Ester é o seu nome.Ela -- Não é não.Ele -- Como, não é não?Ela -- Meu nome é Valdusa.Ele -- Você enlouqueceu, Maria Ester?Ela -- Pelo amor de Deus, Eduardo...Ele -- Geraldo.Ela -- Pelo amor de Deus, meu nome sempre foi Valdusa. Dusinha, vocênão se lembra?Ele-- Eu nunca conheci nenhuma Valdusa. Como é que eu posso estarcasado com uma mulher que eu nunca... Espera. Valdusa. Não era amulher do, do... Um de bigode.Ela -- Eduardo.Ele -- Eduardo!Ela -- Exatamente. Eduardo. Você.Ele -- Meu nome é Geraldo, Maria Ester.Ela -- Valdusa. E, pensando bem, que fim levou o seu bigode?Ele -- Eu nunca usei bigode!Ela -- Você é que está querendo me enlouquecer, Eduardo.Ele -- Calma. Vamos com calma.Ela -- Se isso for alguma brincadeira sua...Ele -- Um de nós está maluco. Isso é certo.Ela -- Vamos recapitular. Quando foi que casamos?Ele -- Foi no dia, no dia...Ela -- Arráááá !!! Ta aí. Você sempre esqueceu o dia do nossocasamento...Prova de que você é o Eduardo e a maluca não sou eu.Ele -- E o bigode? Como é que você explica o bigode?Ela -- Fácil. Você raspou.Ele -- Eu nunca tive bigode, Maria Ester!Ela -- Valdusa!Ele -- Ta bom. Calma. Vamos tentar ser racionais. Digamos que o seunome seja mesmo Valdusa. Você conhece alguma Maria Ester?Ela -- Deixa--me pensar. Maria Ester... Nós não tivemos uma vizinhachamada Maria Ester?Ele -- A única vizinha de que eu me lembro é a tal de Valdusa.Ela -- Maria Ester. Claro. Agora me lembrei. E o nome do marido delaera... Jesus!Ele -- O marido se chamava Jesus?Ela -- Não. O marido se chamava Geraldo.Ele -- Geraldo...Ela -- É.Ele -- Era eu. Ainda sou eu.Ela -- Parece...Ele -- Como foi que isso aconteceu?Ela -- As casas germinadas, lembra?Ele -- A rotina de todos os dias...Ela -- Marido chega em casa cansado, marido e mulher mal se olham...Ele -- Um dia marido cansado erra de porta, mulher nem nota...Ela -- Há quanto tempo vocês se mudaram daqui?Ele -- Nós nunca nos mudamos. Você e o Eduardo é que se mudaram.Ela -- Eu e o Eduardo, não. A Maria Ester e o Eduardo.Ele -- É mesmo...Ela -- Será que eles já se deram conta?Ele -- Só se a televisão deles também quebrou...



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