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O PIPOQUEIRO
(TAMANQUINHO)

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O PIPOQUEIRO

Ernesto aposentou-se.
Como todo brasileiro que se preza comemorou. Não estourou champanhe. Fundo de garantia de assalariado não dá pra isso. Abriu uma cervejinha com os amigos. Nessa hora pobre também tem amigos. Fez um bolo confeitado. Se atrapalhou para explicar o porquê do bolo. Mas aí apareceu alguém que se adiantou com uma piada e ficou o dito pelo não dito.
Ernesto estava feliz. Não precisaria suportar o chefe que, por traz de uma mesa, sem fazer nada, ganhava dez vezes mais do que ele e se comportava como se fosse o dono da empresa. Fim de horário, cartão de ponto e normas que só serviam para encher o rabo de meia dúzia de empresários metidos à besta que trocavam de carro uma vez por mês.
Ernesto agora era livre. Livre para assistir a sua televisão até a hora que lhe conviesse sem ter que se preocupar com o dia seguinte. Da cama só sairia quando o corpo reclamasse. Fim de semana passearia despreocupado. Amigos e família.
E o tempo seguiu o seu curso. Dias, semanas e meses. O salário de ernesto era o mesmo. Os símbolos eram os mesmos. O valor deteriorava. Então o armazém, a farmácia, o açougue o obrigavam a botar a mão no mísero depósito do seu fundo de garantia.
A inflação zerava. Zerava nos jornais, nos pronunciamentos. No cotidiano crescia e Ernesto viu o seu fundo ir para o fundo.
Conversando com a mulher que já reclamava da situação, Ernesto dormiu de cabeça quente. Amanheceu pensativo. Avaliou a situação. Lembrou das horas extras , horas noturnas, fins de semanas remunerados. Sentiu até saudade do chefe insuportável que se comportava como se fosse o dono da empresa.
Saiu e caminhou. Arejava. Na casa de um amigo viu uma coisa que lhe despertou uma idéia. Viu um carrinho de pipoca. Comprou com o que lhe restava no banco. Encostado, pneus furados, não lhe ficou caro. Pintou-o. Deu-lhe pneus e câmaras de ar novos mas a sua mulher não recebeu bem.
- Que é isso , mulher ? Posso não ter idade para arranjar um emprego mas estou bom que nem um coco. Isso vai ajudar , e muito, nas despesas.
- Ernesto, já tem um pipoqueiro na praça e não tem gente para comprar as pipocas. O homem vive reclamando.
- Choradeira de comerciante, mulher. E também falta tino para a coisa. Vou lhe mostrar. E se não der certo... bem, se não der certo eu pico o pé nessa merda e pronto.
Fim de semana era aniversário da sua filhinha. Nove anos. Rapa do tacho. Ernesto empolgado encomendou o bolo e comprou,por conta do fiado , balões e refrigerantes. E prometeu uma surpresa.
Comprou uma boa quantidade de milho e saquinhos de papel, coisa que, com jeitinho, poderia ser feito em casa mas aí ficaria chulo e viria , por certo, a manchar a ocasião. Aquela data não merecia isso.
E chagaram as crianças e se comportavam como se jejuassem há vários dias para tirar o pé do lodo na casa do trouxa. E as mamães, todas fazendo regime. E beliscavam aqui e ali e se empanturravam e ainda levavam para os que ficaram em casa. Levavam as guloseimas e os defeitos que todos vêem nos outros e nas festas dos outros.
Ernesto armou o seu carrinho no quintal. Tudo de graça. Tudo pelos aninhos da sua filhinha. Rapa do tacho. E fez-se fila. E repetiram. E Ernesto,disfarçadamente, contava, anotava e contabilizava.
Fim de festa e Ernesto chamou a mulher no canto. Os olhos brilhavam. Mostrou-lhe os cálculos e ergueu castelos na areia.
Semana seguinte armou-se de seu carrinho . Milho, óleo, sal e saquinhos de papel. Foi para a praça.Procurou outra esquina para não chatear o antigo pipoqueiro. E ali esperou em um fim de semana, outro e outro. Nada.
Então ele chegou em casa. Arrasado. Sem carrinho, sem milho, sem óleo, sem saquinhos de papel e sem dinheiro.
A mulher não lhe deu tempo.;
- Uai, Ernesto, cadê o carrinho de pipoca ?
- Piquei o pé naquela merda.



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