Sagarana - O Burrinho Pedrês [1º Conto]
(João Guimarães Rosa)
O RESUMO DESTE LIVRO SERÁ DIVIDO POR CONTOS.TODOS OS CONTOS ESTÃO NUMERADOS.O burrinho pedrês <1º CONTO> Na Fazenda da Tampa, do Major Saulo, os homens estão ultimando os últimos preparativos para sair pelo sertão, tocando uma boiada de bois de corte. O dia é de chuva, mas ela ainda não veio. Major Saulo ordena que os homens preparem os animais. Por zebra, o burrinho Sete-de-Ouros, presente ali na varanda da casa grande, também é escolhido para a viagem. Para montá-lo, o Major escolheu o vaqueiro João Manico. Raymundão conta a história do touro Calundu. Não batia em gente a pé, mas gostava de correr atrás de cavaleiro. Certa vez, na proteção de UM grupo de vacas com seus bezerros novinhos, Calundu enfrentou uma onça preta, amedrontando a fera e pondo-a para correr. Certa feita, o touro Calundu matou Vadico, filho do fazendeiro Neco Borges. O pai, vendo filho ensangüentado no chão, puxou o revólver para matar o touro. Vadico, antes de morrer, pediu que o pai não matasse Calundu. Neco Borges mandou o touro para outra fazenda para ser vendido ou dado a alguém. Raymundão foi quem levou o bicho. O zebu ficou uma noite apenas no curral. No outro dia, estava morto. Depois da chuva grossa, a boiada chegou ao córrego da Fome. Estava cheio. A travessia era perigosa, e o Major Saulo pediu cautela. Ali já morrera muita gente. Mas a travessia é feita sem perda. Até o Sete-de-Ouros atravessou sem reclamar. Em determinado ponto do caminho, Major Saulo ordenou que Francolim trocasse de montaria com João Manico. A ordem foi obedecida. Francolim fez um pedido ao Major: que, na entrada do povoado, a troca fosse desfeita. Não ficava bem para ele, encarregado do Major, ser visto montado no burrinho Sete-de-Ouros. Badu está na fazenda há apenas dois meses e já tomou a namorada do Silvino. Por isso, os dois viraram inimigos, um querendo prejudicar o outro. Francolim já avisou o major sobre o perigo de um matar o outro. Raymundão acha que o caso não é para morte. A moça é meio caolha. O casamento com Badu já está marcado. Raymundão, em prosa com o Major, informou que Silvino vendeu umas quatro cabeças de gado por preço abaixo do normal. Outra informação que veio do Francolim: Silvino está com bagagem além do normal. O Major Saulo, antes da chegada ao povoado, determinou que Francolim, na volta, vigie Silvino o tempo todo. O Major está convencido de que Silvino já planejou a morte de Badu. A chegada ao povoado foi uma festa. O povo, mesmo com a meia-chuva, foi para o curral da estrada de ferro ver o embarque. Depois, os animais ficaram descansando enquanto os vaqueiros andavam um pouco pelo povoado. Na hora de ir embora, cada um pegou a sua montaria. Badu ficou por último: estava bêbado e tinha ido comprar um presente para sua morena. Por maldade, deixaram-lhe o burrinho Sete-de-Ouros. Na saída do povoado, alguém vaiou: Badu era por demais grande para o burrinho pedrês, os pés iam quase arrastando no chão. Já no fim do lugar, Francolim estava parado no meio da estrada, esperando Badu. Francolim deixou Badu para trás e foi juntar-se ao grupo. Queria mesmo era ficar de olho em Silvino. Os dois, Silvino e o irmão Tote, iam bem na frente dos dois. Tote tentava dissuadir o mano para não matar Badu. Mas Silvino estava determinado. Esperava apenas o momento certo para fazer o serviço e cair no mundo. João Manico, por insistência de todos, contou mais uma vez a história da boiada que estourou à noite, quando o Major Saulo, ainda novo, era tratado por Saulinho. No estouro, de madrugada, o gado passou por cima dos dois vaqueiros que estavam de vigia. Deles, só restou uma lama cor de sangue. Viajavam à noite. De repente, os cavalos empacaram, pressentindo o mar de água. O Córrego da Fome transbordara, inundando tudo bem alem das margens. Todos aprovaram a idéia de esperar Badu e o burrinho Sete-de-Ouros. SE o burro entrasse na água, todos o seguiriam. É que burro não entra em lugar de onde não pode sair. Sete-de-Ouros entrou levando Badu ás costas. Os cavalos seguiram-no. E foi uma tragédia: oito vaqueiros mortos naquela noite. Benevides, Silvino, Leofredo, Raymundão, Sinoca, Zé Grande, Tote e Sebastião. O burrinho Sete-de-Ouros, com Badu agarrado às crinas e Francolim agarrado à cauda, conseguiu atravessar o mar de águas em que se transformara o pequeno córrego. Já em terra firme, livrou-se de Francolim e seguiu ligeiro para a fazenda. Ali, livraram-no do vaqueiro, que dormia, e dos arreios.
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