As cantigas satíricas
(Mariana Alcoforado)
As cantigas satíricas, ao contrário do que se pode pensar, não eram, necessariamente, canções de protesto; mas, sim, canções de cunho humorístico, já que se buscava, normalmente, parodiar as cantigas de amor, ironizar o clero, as classes abastadas da sociedade, bem como a miséria dos infanções. Tudo isso permeado por uma linguagem obscena e livre das convenções formais. Geralmente, eram os jograis responsáveis pela propagação das cantigas satíricas. Estes pertenciam a classes ditas marginais na sociedade e, muitas vezes, cantavam em paga do seu trabalho artístico. Entretanto, não eram apenas os jograis que compunham esse tipo de cantiga; mas também os fidalgos trovadores. Como nos confirma Saraiva (1985: 67): Outro grupo de cantigas mostra-nos as disputas entre os jograis e os trovadores fidalgos: aqueles porque pretendiam ultrapassar a sua condição, que era, pelo menos convencionalmente, de simples executantes musicais, e se metiam também a compor versos; estes porque defendiam a jerarquia, que limitava o papel do jogral ao acompanhamento instrumental e ao canto da composição já criada pelo trovador. Vislumbramos, assim, uma dissensão evidente entre os jograis e trovadores, uma vez que estes queriam corroborar a hierarquia existente, na qual ocupavam o patamar mais alto. Aqueles ansiavam por ascender a uma condição mais respeitável no meio em que atuavam. Logo, os trovadores não se dedicavam apenas às cantigas líricas, pois, pelo menos o que as interpretações teóricas nos permitem dizer, desejavam ser responsáveis pela composição de todas as cantigas. Sendo assim, o caráter marginal era relegado ao jogral e não, propriamente, às cantigas satíricas, que, por vezes, eram compostas por ele. Massaud Moisés já afirmava haver, de fato, os graus de importância anteriormente citados: O trovador era o artista completo: compunha, cantava e podia instrumentar as cantigas; as mais das vezes, era fidalgo decaído. Jogral era uma designação menos precisa: podia referir o saltimbanco, o truão, o ator mímico, o músico e até mesmo aquele que compunha suas melodias; de extração inferior, por seus méritos podia subir socialmente e ter tido como trovador (Moisés, 1971: 28). Embora houvesse essa hierarquia, tanto os fidalgos quanto os clérigos andavam nos mesmos meios boêmios freqüentados pelos jograis. De acordo com Saraiva (1985: 67): “vemo-los misturados nos mesmos mexericos, usando a mesma linguagem, com grande abundância de termos hoje considerados obscenos.” Fato que denota, talvez, um certo falso moralismo advindo daqueles que possuíam notoriedade na sociedade portuguesa e que, por isso, eram vistos como padrão de conduta. Outro ponto importante nas cantigas satíricas é a diferenciação entre as cantigas de maldizer e escárnio sendo que as primeiras eram feitas diretamente, buscando ridicularizar algum indivíduo ou grupo social. O vocabulário era composto por obscenidades e por palavras de baixo calão. Já as últimas eram feitas veladamente, sem ofender de forma direta o alvo da crítica. No que tange às características formais, as cantigas satíricas costumam seguir os padrões das de amigo e de amor, entretanto, há uma maior liberdade formal. Segundo Vieira (1987: 18): “a grande maioria das cantigas de amigo é de ‘refrão’, enquanto as de amor e escárnio e maldizer apresentam uma distribuição que parece equilibrada no caso das cantigas de amor, e mais inclinada para as de mestria, no caso das demais.” Existe, ainda, a possibilidade de as cantigas de escárnio e maldizer seguirem as mesmas convenções métricas das cantigas líricas; todavia, haverá, nas satíricas, uma subversão da idéia transmitida pelas cantigas d’amigo ou d’amor.Estamos diante, então, da paródia, requerida, quase sempre, nas cantigas satíricas.
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