Café Amigo
(Lucapajuli)
"Café Amigo"Em criança logo me deparei com uma coisa preta, cheirosa e molhada. Era preciso tomar cuidado com ela, pois podia queimar as mãos, eis que vinha num bule de alumínio, tampado com rolha de cortiça, trazido do fogão à lenha para a mesa da primeira refeição do dia.Era o café feito em casa, que colocado numa caneca de louça, recebia, quase sempre, o abraço do inimigo, o leite branco, que não só o esfriava, como fazia o preto forte perder a cor e ficar mais parecido com doce de leite, graças também às colheres de açúcar de cana. Para acompanhar a bebida nada melhor do que um pedaço de pão com manteiga caseira feita pela visinha e vendida em pedaços semelhantes às bolas de futebol de salão ou com uma fatia de bolo de fubá quentinho melecado com manteiga salgada.A coisa mais gostosa de manhã ao levantar da cama era ir até o fogão e sentir o cheiro do café sendo passado no coador de pano, exalando aquele odor peculiar e agradável. Até ouço dizer que o cheiro do café é mais gostoso do que a própria bebida.Os tempos se passaram e me interessei pelo plantio dessa magnífica planta alienígena, que trazida de fora, seu cultivo deu muito emprego a muita gente, durante muito tempo. Os paulistas se tornaram os maiores produtores de grãos de café. Isso já não mais ocorre, na medida em que a cultura do café foi substituída pela agropecuária e mais recentemente pelo plantio da cana de açúcar incentivado pela produção do alcool combustível. Minas Gerais hoje é líder na lavoura do café, cujo preço tem oscilado muito no mercado mundial, deixando os produtores de cabelo branco.Numa pequena chácara tenho atualmente algumas centenas de pés de café plantados e produzindo para o gasto familiar. Cuido bem deles, adubando-os e regando na hora certa. Apesar de plantados em região montanhosa não estão sujeitos a geada porque crescem e dão flores brancas debaixo de árvores, a exemplo do que ocorre em outros países, sendo por isso chamados de "café sombreado".Ainda bem que não vivi aquele período negro do café, que aqui ocorreu logo depois da quebra da Bolsa de Nova York, quando o ditador Vargas mandou queimar todo o café (mais de 700 milhões de sacas!), objetivando com essa atitude demente, que o seu preço fosse incrementado. Mais um absurdo cometido pelo caudilho, dentre tantos outros.Vargas, depois da ditadura e já no regime democrático, tornou-se candidato à presidência da República, conseguiu se eleger, mas não conseguiu terminar seu governo. Não aguentando às pressões da época, conduzidas principalmente por um jornalista, Carlos Lacerda, pôs termo à vida com um tiro no peito, sendo então substituído por Café Filho, que trazia estampado no nome justamente uma de nossas maiores riquezas. Essa pequena digressão histórica apenas pretende mostrar que muita coisa ainda se poderia contar sobre o café brasileiro, mas esse não é o objetivo desta pequena crónica.O que interessa dizer é que o café é nossa bebida do dia a dia. Não de maneira sofisticada como fazem outros povos. Aqui o café é bebido em todas os lares desde o mais pobre ao mais sofisticado. Todos se envolvem com ele diariamente em casa, no trabalho, no lazer. É bebido em copinho plástico que chega a queimar os dedos, em xícaras e canecas de todos os tamanhos, em garrafas de vidro, térmicas ou não, em louça branca de máquinas que expelem fortes, curtos ou meio-curtos os chamados "expressos", com açúcar ou sem, com adoçante, com rala de limão, "carioca", "aguado", com leite, com espuminha, com conhaque ou com pinga no tempo frio, tudo à vontade do freguês, nos bares, botequins, lanchonetes, restaurantes e até na rua ou no futebol com os ambulantes. Para os fumantes tem dupla função: bebe-se café para fumar e fuma-se para beber...Se o café faz bem ou não ao organismo humano há vasta bibliografia em todas as direções. O que parece ser certo para muitos é que se trata de bebida matinal, que serve para despertar, para raciocinar etc. Ainda hoje os jornais mostram que o café combate a cirrose hepática.A verdade é uma só: o café quentinho, bem passado, sem açúcar ou adoçante, bebido pela manhã é para mim um verdadeiro manjar dos deuses. Não sei como me comportaria se não pudesse soprá-lo aos poucos e ir, também aos poucos, sorvendo-o em pequenos goles até o fim, para depois de algum tempo voltar a degustá-lo de novo.Não é a toa que quando se vai à casa ou ao trabalho de alguém o cafezinho funciona como se fosse o "cachimbo da paz" porque essa bebidinha preta de todos os dias é mesmo um "café amigo".
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