Livro Dois irmãos de Milton Hatoum (Companhia das Letras).
(Nei Silva)
Milton Hatoum volta ao romance com um drama familiar em cujo centro
estão dois filhos de imigrantes libaneses: os gêmeos Yaqub e Omar. O
enredo do romance trata, basicamente, do (não) relacionamento entre os
irmãos.
Narrado em primeira pessoa, a história se passa em Manaus de 1910 a
1960. Os dois irmãos nunca se entendem, até que Yaqub é obrigado a ir
para o Líbano. Quando volta, cinco anos depois, sente-se deslocado
dentro de sua própria família, enquanto as intrigas continuam. Aliás, o
sentimento de deslocamento é o que sustenta a narrativa, e traz o drama
familiar para a esfera do universal.
Segundo Hatoum, o imigrante é um sujeito dividido, sofre de uma espécie
de dualidade do lar, da pátria. Nesse sentido, os dois irmãos funcionam
como uma metáfora dessa dualidade. Um se identificando mais com o
Brasil e o outro se sentindo estrangeiro, diferente, muitas vezes sendo
referido apenas como “o outro” pelo Narrador, que, por sua vez, também
é um deslocado, filho da empregada com um dos gêmeos, mas sem saber
qual deles.
Entre esse duelo fraternal, Hatoum ainda constrói a dificuldade de um
homem apaixonado pela esposa, que perde a atenção dela para os filhos;
um filho bastardo que tenta descobrir qual dos gêmeos é seu pai; a
história do imigrante de origem árabe no Brasil e a expansão comercial
da região norte; e o retrato de uma sociedade pequeno burguesa, que se
mostra tão previsível no norte do Brasil, quanto na França, dos
escritores de grande influência para o autor manauara, Flaubert e
Balzac (juntamente ao norte-americano William Faulkner).
No início do século XX, Manaus, a capital da borracha, recebeu
estrangeiros como o jovem Halim, aprendiz de mascate, e Zana, uma
menina que chegou sob a asa do pai, o viúvo Galib, dono de um
restaurante perto do porto. Halim e Zana vão gerar três filhos: Rânia,
que não vai casar nunca, e os gêmeos Yaqub e Omar, permanentemente em
conflito. O casarão que habitam é servido por Domingas, a empregada
índia, e mais tarde também pelo filho de pai desconhecido que ela terá.
Esse menino — o filho da empregada — será o narrador. Trinta anos
depois dos acontecimentos, ele conta os dramas que testemunhou calado.
Omar é o beberrão boêmio, mimado, conquistador e revolucionário. Yaqub
é o engenheiro que construiu sua vida independentemente de ajuda,
magoado com a família, tímido, conservador e que se muda de Manaus
(cenário da história) para São Paulo.
Essa diferença de personalidade faz parte do pacote ‘história de irmãos gêmeos’. Assim como a constante competição entre eles.
Dois irmãos é a história de como se faz e se desfaz a casa de Halim e
Zana. Apaixonado pela mulher, depois do nascimento dos filhos Halim se
condena à nostalgia dos tempos em que não era pai, em que não precisava
disputar o amor de Zana, em que os dois tinham todo o tempo do mundo
para deitar na rede do alpendre e se entregar aos prazeres sensuais.
Pelo que nos conta o narrador, Halim estará sempre à espera da decisão
mais acertada diante dos abismos familiares: a desmedida dedicação de
Zana a Omar, seu filho preferido; o trauma de Yaqub, o filho que,
adolescente, foi separado da família supostamente para amenizar os
conflitos com Omar; a relação amorosa entre os gêmeos e a irmã, Rânia.
De Domingas, com quem compartilhava o quartinho nos fundos do quintal,
o narrador nos diz que esta é uma mulher que não fez escolhas.
Aparentemente, não escolheu nem mesmo o pai de seu filho.
Milton Hatoum faz os dramas da casa estenderem-se à cidade e ao rio:
Manaus e o Negro transformam-se em símbolos das ruínas e da passagem do
tempo. E, pela voz de um narrador solitário, revive também os tempos
sombrios em que as praças manauaras foram ocupadas por tanques e homens
de verde.
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