O Ajudante
(Robert Walser)
O romance O Ajudante (Ed. Arx, 2003), traduzido por Zé Pedro Antunes, surpreendeu-me. Quando se fala em Walser (e no Brasil, isso pouco acontece; eu e Zé Pedro falamos a respeito de duas traduções de outros textos publicadas por ZPA no Usina de Letras, saíram alguns comentários de escritores como Moacir Scliar e Bernardo Carvalho e jornalistas, especialmente da Folha de São Paulo , e só), fala-se também em Kafka e Walter Benjamin, autores consagrados aos quais ele se ligou. Esperei que o texto de Walser me fizesse lembrar do texto kakfiano, principalmente. No entanto, Der Gehülfe é um romance realista que se concentra na relação entre classes sociais. Trata-se de uma narrativa que se constrói com base num narrador onisciente e que se concentra em observar a vida de Joseph Marti, empregado de Karl Tobler. Marti vive num pequeno lugarejo às margens de um lago, e não está de mal com a vida. As observações do narrador sobre Joseph muitas vezes se tornam quase uma prosa poética, uma delicada observação do cotidiano. Transparece que Joseph é um jovem inocente, sensível e até efusivo, tendo essa última característica sido demonstrada pela presença de vários pontos de exclamação pela narrativa. Eu creio que detectei, como núcleo do romance, a conflituosa relação entre as classes num país europeu onde elas se relacionam de forma rígida. As passagens que se referem ao ex-ajudante Wirsich, para mim, são aquelas em que o romance subitamente se encorpa. Wirsich tinha relações sexuais com a criada Pauline. E até despertou a atração da esposa do sr. Tobler, que mesmo depois de sua saída se referia elogiosamente a ele para provocar Joseph. As passagens em que se destaca o nome "Wirsich" tratam justamente do conflito, ou seja, são uma microfísica da luta de classe. Marti se espelha em Wirsich. "Eu sou você amanhã", poderia ter dito Wirsich a seu sucessor. E, de fato, é nesse rumo que o romance se encaminha: Joseph começou a conflitar justamente com a figura com quem Wirsich tinha a relação mais complexa: "ela", a burguesa esposa do engenheiro Tobler. Wirsich, bêbado, gritou ao burguês as verdades que ele não queria ouvir. Depois tentou convencer o patrão que era um sujeito cindido, fato no qual o patrão não acreditou. O engenheiro Tobler demonstra saber, ainda que intuitivamente, que o trabalhador sob seu jugo não era ele mesmo, e sim alguém alienado de seu próprio ser. Ao se reencontrar com esse ser, posto "dentro de si" pela embriaguez e pelo ócio, Tobler reencontrou-se com a verdade de sua própria classe, algo insuportável, e o despediu. Essas impressões a respeito da presença de uma ideologia se reforçaram posteriormente, quando o narrador refere-se a um envolvimento de Joseph Marti com o socialismo. Embora eu tenha detectado como centro do romance a família comandada pelo pai de família Karl Tobler, há vários episódios curiosos e significativos: os dois dias de prisão do ajudante, em que ele se fascinou com as histórias do ordenhador rebelde, com quem se identificou; o feriado nacional, dia em que Tobler ficava especialmente cordial e amigo. O patriotismo, insinua claramente essa voz que vem de uma Europa intoxicada pelo nacionalismo agressivo, neste caso serve para ocultar os conflitos entre engenheiros e ajudantes da Suíça (e do mundo). É notável também o quanto os conflitos entre proletário e burguês presentes neste romance já são os de um capitalismo avançado, daí não estarem datados. Quase ao fim do romance, o próprio Tobler afirmou que, embora ministre uma educação religiosa aos filhos, "não acredita em nada". Essa vontade de nada, o niilismo, é bem um problema do século XX, detectado por Nietzsche, outro que se beneficiou da tolerância da avançada Suíça e que morreu pouco anos antes de Walser publicar esse romance, tendo também terminado a vida transtornado.
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