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A história de Portugal
sempre me deu um sono profundo não por ser a história de Portugal, mas por ser
história. Contudo, desconfio que esta minha incapacidade para absorver história
tem muito a ver com a forma com que quase sempre me foi contada. Seguindo uma
certa tradição na educação, os professores bombardeavam-nos apenas com nomes e
datas e mais datas e mais nomes que se enrolavam na minha cabeça de tal maneira
que passado cinco minutos era incapaz de seguir o fio à meada e de reproduzir o
que quer que fosse. Lembro-me perfeitamente do dia em que a minha professora da
primária se virou para nós anunciando que no dia seguinte toda a gente tinha
que ter o nome dos reis na ponta da língua. Na altura esta era uma das notícias
mais aterradoras que me poderiam dar, pois para mim tinha tanto valor um D.
Afonso Henriques como outro D. qualquer! No caminho em direcção a casa a
pergunta "Porque tenho eu de saber os nomes dos Reis de Portugal!?",
começava a pronunciar-se, ainda que de forma esfumada, na minha cabeça, mas
quando escrutinei a minha mãe sobre o porquê de ter de saber o nome de gente
que eu nunca vira, o caso ainda me pareceu mais negro, porque depois de enrugar
a testa ela saiu-se com esta: " Se a professora diz que tens que saber o
nome dos reis, tens que os saber e acabou-se!" e assim sem mais nem meio
mas lá fui eu para o meu quarto inquirindo se os reis também tinham que
aprender os nomes do povo! Claro que tudo me desviava a atenção mesmo que não
fosse necessário algo para ma desviar e então olhava outra vez para o nome do
primeiro rei, tapava o nome dos restantes e tentava descobrir a sucessão, mas o
esforço não deu em nada! Misturava reis da última dinastia com a primeira e
quanto mais tentava lembrar-me mais me esquecia. Essa noite tive até pesadelos!
Sonhei com a professora com uma espada desembainhada. Apontava-a para nós como
se fossemos condenados e com um riso sarcástico exprimia a pergunta: "Quem
é que não sabe os reis de Portugal!?". Mas afinal ela não disse que ia
perguntar quem é que sabia os reis de Portugal!?Que estranho! Acordei com a
cabeça à roda e com o rabo entre as pernas lá me fui dirigindo para a sala de
aula fazendo figas para que se esquecesse de mim. E foi isso mesmo que
aconteceu! Depois de ter passado uma hora a estudar os reis como se isso fosse
um caso de vida ou morte, a professora nem sequer se lembrou que eu existia.
Sim, porque afinal quem sou eu quando à nossa frente vêm primeiro os reis e as
rainhas, os príncipes e as princesas, o clero e a nobreza! E assim pela
primeira vez na minha vida identifiquei-me com o povão! Sim, é aí que eu gosto
mesmo de estar porque no fundo sempre detestei elites. Porquê!? Porque foram as
elites, as mesmas elites de agora, que comeram o que era de todos, que nunca
souberam o que era isso de repartir e que sem mais encheram bem as suas panças
ávidas. E isto é a história de Portugal, que resumindo não tem ponta por onde
se lhe pegue porque pegue-se onde se pegar a história sempre foi a mesma. Que
me importam por isso os descobrimentos, reis e condados e uma data de
acontecimentos, quando portugal não nos importa!? Importa-mo-nos realmente!?
Não, nós simplesmente importamos! Sim, porque é in importarmos. É isso que
fazem os nossos conterrâneos! E nós no panorama mundial simplesmente não
queremos destoar. E é por isso que a nossa história também não destoa das
outras. E isso é que é o problema! Vamos como ovelhas todos para o mesmo lado e
se realmente tenho que resumir a história de Portugal resumo-a assim:uma luta atroz
pelo poder. Quer queiram ou não esta é a verdadeira história de Portugal e tudo
o resto é puro nacionalismo. Não temos nada, realmente nada de que nos possamos
orgulhar e por um lado ainda bem pois o que só faltava mesmo para que a
coboiada fosse completa era orgulhar-mo-nos!



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